A denúncia por corrupção passiva apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer é de conhecimento público há quase duas semanas, mas 57% dos deputados ainda não se posicionam a favor ou contra a transformação do presidente em réu. Essa “taxa de incerteza” é muito maior agora que na época da tramitação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
Quando o placar do impeachment de Dilma começou a ser publicado pelo Estado, no início de abril de 2016, 169 deputados evitavam revelar sua posição (um terço do total). Agora, quando o jornal começa a publicar o placar da denúncia, o número de parlamentares “no muro” é 73% maior: 293.
No placar atual, há 162 deputados a favor do acolhimento da denúncia, e 57 declaradamente contrários. A aprovação depende de 342 votos. Se isso ocorrer, Temer será afastado do cargo.
Cenários. Para o cientista político Carlos Melo, as diferenças nos cenários de Temer e Dilma têm diversas causas: a ausência de um “comandante” da oposição, como Eduardo Cunha na época da petista, a pressão menor da opinião pública, a maior habilidade do atual governo ao negociar com deputados e, por fim, o fato de o “espólio” de cargos com o eventual fim do governo atual ser menor.
Melo considera que, em qualquer processo que pode culminar na derrubada de um presidente, há quatro grupos bem definidos no Congresso. O primeiro é o da oposição, que se declara de forma enfática logo de início, para responder ao seu eleitorado tradicional. O segundo grupo é o do mesmo partido ou da mesma base social do presidente – o PT, no caso de Dilma, e setores do PMDB e do Centrão, no caso de Temer.
Outra parcela numerosa é formada por parlamentares que preferem esperar por um posicionamento claro da maioria da opinião pública, ou ao menos de suas bases. “E tem um quarto grupo que vê nisso tudo a chance de levar vantagem”, afirma Melo. “São os deputados para os quais o governo tem de abrir o bolso.”
No atual momento, a maioria da Câmara integra o terceiro e o quarto grupos, segundo a análise do cientista político. Essa maioria não se formou no processo de impeachment de Dilma porque o contexto político era muito diferente. “Temer é tão impopular quanto Dilma, mas em 2016 a população estava nas ruas”, diz Melo. “Havia esperança de que a situação melhoraria com a saída dela. Hoje a opinião pública está desiludida.”
Melo observa que a ala fisiológica da Câmara também negociou benesses com Dilma, mas, no fundo, era fiel ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha – inimigo declarado do partido da presidente.
Fonte: Estadao Conteudo