Por Herval Sampaio
Até quando vamos aguentar tudo isso calados?
O título sugestivo desse texto corresponde a nossa indignação pessoal – com todo respeito do perdão da palavra como se diz – com a “cara de pau” da classe política, de um modo geral, em aprovar no último dia 18 de fevereiro a Emenda Constitucional 91, trazida em primeira mão em nosso site (Congresso cria janela temporária para desfiliação sem risco de perda do mandato).
Para nós, é mais um despautério, dentro de uma realidade que já é difícil de se explicar para quem não conhece a triste realidade de nossa politicagem e tenho falado continuamente sobre esse tema aqui no site/portal novoeleitoral.com (Triste realidade da politicagem brasileira: uma verdade que precisa ser enfrentada com rigor e firmeza; Triste realidade da politicagem brasileira II: uma verdade que precisa ser enfrentada com rigor e firmeza).
Em um primeiro momento até reconhecemos ser um avanço o disciplinamento do tema da fidelidade partidária na minirreforma eleitoral (Minirreforma eleitoral: as mudanças na Lei das Eleições), pois como antes só tínhamos a temática tratada por imposição do TSE, sendo discutível até mesmo sua legitimidade, o fato de se alçar a via da legislação, é por si só, um ponto positivo, contudo não achávamos que além da janela prevista em lei, para nós um verdadeiro portão de Grasykull[1], tivéssemos agora seu alargamento e o pior, por emenda constitucional e sem qualquer cerimônia.
O tratamento então da questão na via legislativa é interessante, pois de certo modo teremos por um período determinado o impedimento formal de que haja mudança de partido, sem que ocorra uma das situações previstas em lei, consideradas como justa causa para a mudança sem consequência para o político que assim age, justamente porque se enquadra em um caso que a lei considera razoável para não burlar a regra geral que deveria ser a fidelidade partidária (Sobre (in) fidelidade partidária; A justa causa no processo de perda de mandato por infidelidade partidária: Parte II; A justa causa no processo de perda de mandato por infidelidade partidária: introdução)
Afirmamos deveria porque os políticos foram muito inteligentes quando dispuseram esse tema na reforma que não reforma e muito mais deforma o já o combalido sistema político brasileiro e aparentemente nos deu a impressão de que a regra geral será a fidelidade partidária, algo mais do que natural quando se analisa teoricamente a função de um partido político.
A filiação partidária é requisito constitucional para que alguém possa ser candidato, logo a ideia é justamente fortalecer a agremiação partidária e aquele que se filia tem que estar antenado com os valores defendidos pelo partido e totalmente atrelados ao conteúdo programático ali disposto, bem como exercer o seu mandato para concretização dos ideais ali estabelecidos.
Será que isso acontece?
Já tratei desse tema aqui: Ainda temos a direita e esquerda no Brasil?
Portanto, em que pese o avanço do partido político em termos normativos e em especial o tratamento recebido pela nossa Constituição, a pragmática política vem o dilacerando dia a dia e mesmo quando se cria novos partidos como recentemente aconteceu , entrando três novos partidos, a cultura de uso do mesmo para fins pessoais é o que ainda prevalece (Partidos Políticos do Brasil; Coluna Cidadania – Estado Democrático de Direito e Partidos Políticos). Aqui colocar matéria sobre os partidos e aquela nossa coluna sobre o tema
Para se ter uma ideia do afirmado acima e totalmente em encontro ao que chamei recentemente em palestra sobre o tema, de mais uma manobra dos políticos em desfavor do incremento moral que se espera em nossa política, foi a filiação de 13 deputados ao novel PMB (Partido da Mulher Brasileira), pois sinceramente custa-me crer que tais parlamentares estão totalmente afinados com as diretrizes ideológicas desse partido.
Sem querer prejulgar e muito menos generalizar, como sempre tenho cautela nesse sentido, o que mais uma vez deve ter acontecido, como regra geral de nossas práticas dentro do que chamo de politicagem, foi o ajuntamento dessas pessoas em uma agremiação partidária para atender os seus interesses pessoais de se manter no poder.
E será que alguém tem dúvida de que o grande objetivo da PEC 91 não é esse?
Dessa vez os políticos exageram e sequer tiveram o cuidado de disfarçar, pois como a PEC originária que trata disso ainda não completou o devido processo legal legislativo, eles correram como sempre quando é para atender esse tipo de interesse e mudaram mais uma vez a Constituição do país, pasmem, repito a Constituição do país para atender interesse pontual e transitório.
Já são 91 emendas em nossa Constituição, ou seja, se mexe na mesma ao bel prazer de interesses pessoais, muitas vezes não republicanos e ninguém diz nada. Tudo nesse país é normal e tanto é verdade que recentemente tivemos uma carta aberta de um estrangeiro que mora no país condenando essa nossa prática de ter jeito para tudo, o velho jeitinho brasileiro (VEJA ESSE INTERESSANTE ARTIGO: UMA CARTA ABERTA AO BRASIL).
E alguém tem coragem de discordar desta dura realidade?
Eu sinceramente não tenho e pelo contrário, mesmo me indignando há algum tempo nesse site em textos e vídeos, bem como em diversos cursos e palestras Brasil afora, fico muito envergonhado com tudo isso, pois as vezes me pergunto até aonde vai a coragem de nossos políticos em criarem atos normativos como o ora combatido para manter a estrutura do poder pelo poder.
E agora a nova maneira de fazer tudo isso é sem desfaçatez, ou seja, os interesses pessoais são postos de modo muito claro, mesmo o país atravessando a maior crise política e ética de sua história.
E porque tudo isso é feito?
Porque os políticos sabem que nós sempre aceitamos calados, daí a pergunta até quando ficaremos vendo tudo isso apáticos?
Tá na hora povo brasileiro, na realidade já estamos atrasados há muito tempo, de darmos um não a tudo isso e a única maneira é no voto consciente (Voto consciente. Cidadania concretizada em versos), pois essa é maior arma que temos e infelizmente não a usamos, contudo com as eleições se aproximando temos a oportunidade de mudarmos a cara de nossos políticos, votando em pessoas comprometidas com o interesse coletivo, daí a importância de que não querermos nada em troca de nossos votos.
O que queremos é tão somente compromisso do homem público com o seu povo, coisa que não se vê há algum tempo na maioria dos políticos brasileiros.
Essa PEC 91 é literalmente mais uma tapa na nossa cara e apesar de já termos apanhado muito e não termos ainda feito nada, tenho a esperança de darmos a volta por cima e nas urnas socarmos de volta com muita força na cara de pau desses políticos que ainda insistem em roubar o dinheiro público desse povo tão sofrido e carente, que também é culpado (A mudança só virá de fato quando nós nos tocarmos da origem de tudo e resolvermos fazer a nossa parte!;Será que o Brasil merece os políticos que têm?), porém não merece continuar nesse sofrimento tão intenso e que coloca em xeque as gerações futuras de nossa pátria amada.
Que as eleições de 2016 sejam o início de uma nova era em nossa política ainda é a esperança desse cidadão indignado com tudo isso e que sempre estará aqui denunciando esse tipo de manobra e contando com a conscientização de pelo menos um leitor, pois a cada novo eleitor consciente teremos a construção de um novo país.
E por fim que Deus nos ajude, pois não acredito que Deus esteja do lado de políticos ladrões!
[1] Referimo-nos ao famoso desenho He-Man em que a transformação do personagem Adam no herói acontece no Castelo de Grayskull, que tem um portão enorme, semelhante ao que foi aberto pela 13.165/2015 e sem qualquer preocupação moral agora alargado, justamente para atender interesses pessoais de atuais detentores de mandato político, dai porque falar de janela, nessa situação, é uma metáfora sem sentido.
[2] No Brasil se cria muito partido político porque é um excelente negócio, além de ser fácil, se recebe milhões de fundo partidário http://www.novoeleitoral.com/index.php/en/opiniao/herval/1126-mudanca e ainda se negocia mais alguns milhões de tempo de propaganda e tudo na maior cara de pau.
José Herval Sampaio Júnior é Mestre e Doutorando em Direito Constitucional. Professor de Processo Civil e Direito Eleitoral. Membro da ANNEP, IBDP e ABDPC. Juiz de Direito.