Transição de governo. Instrumento de afirmação do Estado Democrático.
Encerradas as eleições, entre vencedores e derrotados, o grande protagonista será sempre o município. Este ente federado deve ser tratado dentro das regras de um Estado Democrático de Direito. O grupo político que está deixando a Administração tem o dever republicano de promover uma transição respeitosa, informando a realidade orçamentária dos órgãos da administração direita e indireta do município e o andamento dos programas e obras existentes na cidade.
Compete ao Prefeito que está deixando o cargo regulamentar o processo de transição. Temos de lembrar que não há regulamentação federal sobre o tema, tendo em vista a autonomia administrativa dos entes federados (Art. 18 – A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição). Assim, os municípios estão livres para regulamentar o processo de transição conforme sua realidade.
Por se tratar de tema de alta relevância e organizacional do munícipio, entendemos que a matéria deve ser definida na Lei Orgânica de cada munícipio, como política de afirmação de continuidade administrativa. Se a Lei Orgânica não dispõe sobre o tema, nada impede que a regulamentação seja via Decreto, pois este instrumento normativo não criará despesas e não alterará a estrutura administrativa da Administração Municipal.
O regulamento tem a finalidade de criar rotina de trabalhos, definir áreas/temas a serem discutidas e, principalmente, apresentar a realidade orçamentária (débitos do orçamento vigente e dívida fundada) e o andamento dos programas sociais e obras em execução no município. A apresentação da realidade orçamentária é o ponto essencial, pois é ato de honradez que o governante que está saindo pode dar como resposta ao novo Prefeito, ou seja, é dizer para o futuro administrador a verdadeira realidade orçamentária para que este possa implementar o seu programa de governo.
Regulamenta por decreto, a transição não terá caráter obrigatório. Ressaltamos que as emendas à Lei Orgânica são de competência exclusiva da Câmara Municipal e possui rito peculiar, assim não é o período que compreende da proclamação do resultado das eleições até a posse do novo governante o momento mais adequado para a alteração na Lei Orgânica.
Arrazoada esta questão preliminar, o cerne é definir quais áreas serão objeto da discussão de transição. Lembramos que os municípios brasileiros possuem estruturas extremamente diferente uns dos outros, por isto, cada ente deve elencar as áreas ou temas a serem abordados.
Como o tempo é escasso e, provavelmente, os membros da equipe de transição não poderão se dispor integralmente a esta árdua tarefa, sugerimos as seguintes áreas a serem discutidas:
- Administração e Finanças;
- Políticas Sociais (trabalhando somente os temas Educação e Saúde);
- Infraestrutura.
Acreditamos que estes temas constituem o mínimo a ser tratado para que o novo governo assuma a Administração sem maiores transtornos. Com esta proposta, independentemente do tamanho do município, qualquer administração será capaz de realizar um processo razoável de transição.
Administração e Finanças são os temas essenciais para o novo governante.
A equipe de transição do futuro prefeito deve requerer cópias de todos os contratos de fornecimento contínuo e verificar o prazo de vencimento. Caso haja contratos que a vigência esteja por terminar, os membros da equipe de transição devem analisar se será possível concluir o processo licitatório em tempo antes do término do contrato. Não sendo possível, a equipe deve comunicar o Prefeito atual ou seus auxiliares diretos para que dê início ao respectivo processo. Tal medida poderá justificar a contratação por emergência de determinado fornecimento ou serviço (lembrando que o administrador deve dispensar processos licitatórios somente com justificativa contundente).
A estrutura administrativa também deve ser verificada pela equipe de transição. A equipe do futuro prefeito deve verificar se há inquérito civil ou ação civil pública ou de improbidade administrativa questionando a estrutura dos cargos. Recomendamos que não sejam feitas nomeações para cargos que estão sendo discutidos sua legalidade.
Referente ao orçamento do município, dois devem ser os focos principais: os débitos do exercício financeiro vigente e a dívida fundada.
Quanto aos débitos, a equipe de transição deve requerer cópia das notas fiscais que estão na tesouraria ou pagadoria (débitos não liquidados), visando verificar o quanto ficará em resto a pagar e o que será pago até o último dia do exercício financeiro. (Resto a Pagar: despesas empenhadas processados ou não processadas pendente de pagamento).
Importante verificar se todas as dependências a pagar estão devidamente empenhadas, para isto basta solicitar as Notas de Empenho. Frisa-se que, conforme o art. 60 da Lei Federal nº 4.320/67, é vedado à realização de despesas sem anterior empenho. Desta forma, se o governo que está de saída apresentar excesso de pendências financeiras, provavelmente há despesas que não foram empenhadas corretamente, pois o nosso sistema de finanças públicas é bastante rígido, ou seja, a administração pública só assume uma despesa se há disponibilidade financeira. (devemos lembrar que o orçamento é uma peça estimada e poderá acontecer de ao final do exercício financeiro o montante arrecadado não atingir o estimado).
A falta de prévio empenho é o vilão do controle dos gatos públicos, pois se todas as despesas forem previamente empenhadas e as despesas empenhadas por estimativa forem verificadas constantemente, o exercício financeiro encerrará possivelmente sem dívidas, a não ser se a arrecadação diminuir.
Verificada a falta de precedente empenho, a equipe de transição do novo governo deve comunicar ao responsável do Controle Interno e ao Tribunal de Contas, visando até se resguardar de eventuais processos.
A precaução referente à dívida fundada consiste em verificar se o novo governo terá condições financeiras de implementar seus projetos que dependam de financiamento ou comprometam mais de um exercício financeiro. O futuro governante deve ser responsável e não contrair empréstimos que aumentem ainda mais a dívida geral do munícipio. Se não for possível implantar alguma política pública ou realizar obras do Plano de Governo devido à escassez de recursos financeiros, é prudente que seja explicado aos munícipes que determinado projeto será executado em outro momento ou quanto o município dispor de capacidade financeira.
Além disto, a equipe de transição do futuro governo, com auxílio dos membros que estão no governo municipal, deve levantar todos os financiamentos do município, visando renegociar os juros e/ou aumentar o prazo de pagamento.
A transição nas áreas de Política Social deve ser menos burocrática e mais voltada ao conhecimento da máquina administrativa e o tipo de gestão ali presente. Destacamos saúde e educação por serem os pilares da prestação de serviço estatal.
Na saúde deve-se verificar se os transportes de paciente são próprios ou terceirizados, para que o futuro governo desde o início possa implementar uma gestão eficaz dos serviços de ambulância, sem privilégios e visando atender as urgências e emergências. Analisar neste período de transição se o município adota sistema de farmácia central ou descentraliza sua distribuição. Verificar se há procedimentos de compras organizados, pois devido à excepcionalidade do sistema de saúde, talvez seja necessários instituir comissão ou departamento próprio de licitações. Além de solicitar relatórios de todos os programas existentes, mencionando o custo anual e o seu alcance.
Na educação, deve-se verificar, essencialmente, os contratos de fornecimentos, tais como uniforme, material escolar, transporte e, conforme o caso, sistema apostilado de ensino, para que o futuro governo assuma a administração municipal sem a interrupção de serviços. O não fornecimento de uniforme ou material escolar motivado pela justificava de alteração de governo, não pode prevalecer um estado republicano.
Além disto, devido ao fato de a educação possuir todo em regramento de controle dos recursos do Fundeb, é essencial verificar se há conselho fiscal do Fundeb constituído e se este funciona efetivamente e, também, verificar se há servidores cedidos a outras secretarias ou outros órgãos recebendo salários com dinheiro do Fundeb, o que é terminantemente vedado.
A transição na área de Infraestrutura abrange os serviços de zeladoria municipal e as obras novas e estruturais existentes. Aqui, o ponto chave é verificar se o município possui condições de zelar pela incolumidade pública e se as obras estão sendo executadas conforme contratado. Na parte de zeladoria, a equipe nova pode requerer tais informações:
- Há plano de contenção de área de risco;
- Existe Defesa Civil no município e se está possui estrutura para atender as mais diversas situações de risco;
- Há monitoramento das lagoas e rios;
- Há controle de limpeza das praças, jardins e bocas de lobos.
A priori, parece bucólica requerer tais informações, mas a maioria dos municípios não faz nenhum tipo de controle sobre estas áreas, ocasionando situações de perigo à vida. Requerendo somente estas informações, o novo governante poderá assumir já implantando medidas reais para ter serviços de zeladoria eficaz.
Quanto às obras, entendemos que basta requerer cópia dos relatórios de fiscalização e gestão. Nestes documentos estará contida a maioria das informações necessárias. Se o município não realiza fiscalização de obras, através de comissão especifica, a equipe de transição deve requerer relatório das medições e, se achar pertinente, realizar vistoria in loco visando apurar a existência de irregularidades. Sendo verificadas anomalias, a equipe de transição deve apresentar ao Prefeito atual relatório da vistoria e requerer deste as providências para o saneamento do apurado.
Nossa explanação não tem a finalidade de esgotar o tema. Consideramos que para o mínimo de sucesso na transição estes são os temas e métodos a serem utilizados. Em verdade é um grande desafio, tanto para os que deixam o governo quanto para os novos administradores, pois o antigo governo deve mostrar que deixou uma administração em ordem e o novo administrador não alegar desconhecimento da estrutura funcional.
Por fim, alertamos que a transição governamental deve seguir os princípios constitucionais que regem a administração pública, porém, dando ênfase, (mas não desmerecendo os demais princípios) à publicidade, pois o maior interessado no ato são os administrados.
Marcelo Silva Souza – Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Gestão Pública. Pregoeiro Habilitado. Exerceu o cargo de Chefe do Setor de Contrato e Convênio da Prefeitura de Várzea Paulista. Exerceu o cargo de Assessor Jurídico da Prefeitura de Vinhedo. Foi Presidente da Comissão Municipal de Licitações da Prefeitura de Vinhedo. Exerceu o cargo de Diretor Geral da Câmara Municipal de Louveira. Exerceu o cargo de Diretor Jurídico da Autarquia de água e esgoto de Vinhedo – SANEBAVI. Ministra palestra sobre Assessoria Parlamentar, Licitações e Contratos e outros temas. Advogado militante, com atuação prioritária em Direito Administrativo.