Brasília/DF – O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na quarta-feira 8, por 6 votos a 5, que as assembleias legislativas dos estados têm o poder para revogar a prisão de deputados estaduais, expandindo a estes as imunidades previstas para parlamentares federais no artigo 53 da Constituição.
Os ministros negaram uma liminar (decisão provisória) pedida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para suspender normas aprovadas pelas assembleias de Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Mato Grosso que permitem a revogação de prisões provisórias – temporárias ou preventivas – de seus membros, salvo em casos de flagrante de crimes inafiançáveis.
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Também ficou permitido às assembleias sustar ações penais abertas contra deputados estaduais.
O julgamento sobre o assunto foi retomado nesta quarta-feira após ter sido suspenso, em dezembro de 2017, devido à ausência dos ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski. Na ocasião, o placar ficou em 5 a 4 contra a possibilidade de revogação da prisão de deputados estaduais pelas assembleias.
Reviravolta
Uma reviravolta nesta quarta levou ao resultado que estendeu aos deputados estaduais as imunidades de parlamentares federais. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, último a votar, decidiu mudar seu voto anterior, proferido em 2017.
Antes, Toffoli havia sido o único a votar a favor de uma diferenciação, permitindo às Assembleias suspender ações penais contra seus membros, mas impedindo a revogação de prisões. Hoje, ele votou no sentido de permitir aos legislativos locais também a prerrogativa de soltar deputados estaduais presos por ordem judicial.
“Esse [meu] voto restou isolado. Eu não vou insistir na minha posição. Na medida em que há 10 colegas que não entendem diferenciação, eu me curvo àquilo que entendo estar na Constituição que é a imunidade da prisão, a não ser em flagrante”, disse Toffoli, nesta quarta, ao mudar seu voto.
Placar
Além de Toffoli, votaram por autorizar as assembleias a suspender prisões os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.
Ficaram vencidos o relator, ministro Edson Fachin, e os ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, que votou contra dar a autorização às assembleias.
Para Barroso, permitir às assembleias revogar prisões pode transformar “o Poder Legislativo em um reduto de marginais, o que evidentemente ninguém deseja, nem os parlamentares honestos e de bem que ali estão”.
Operação Cadeia Velha
O caso que motivou o julgamento foi a prisão preventiva dos ex-deputados do estado do Rio de Janeiro Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do MDB.
Os parlamentares estaduais foram presos preventivamente em 16 de novembro de 2017, por determinação da Justiça Federal, sob a suspeita de terem recebido propina de empresas de ônibus. Os fatos foram investigados na Operação Cadeia Velha, da Polícia Federal.
No dia seguinte à prisão dos três, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro reverteu a decisão judicial e votou pela soltura deles. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), porém, decidiu manter a prisão dos então deputados.
Desde então, os três ex-deputados do Rio de Janeiro que haviam sido presos na Operação Cadeia Velha foram condenados por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A condenação foi confirmada em março pelo TRF2.
A questão jurídica estava em torno da interpretação do Artigo 27, da Constituição. O quarto parágrafo diz que o deputado estadual tem direito às regras constitucionais sobre sistema eleitoral, inviolabilidade e imunidades previstas na Carta.
Com base nesse artigo, constituições estaduais reproduziram a regra, prevista no Artigo 53, que garante a deputados e senadores prisão somente em flagrante de crime inafiançável e referendada por sua casa legislativa.
Opinião do Especialista
Análise: STF cumpre Constituição ao estender imunidade a deputados estaduais
Parlamentares só podem ser presos preventivamente quando houver flagrante de crime inafiançável e com anuência das Assembleias
João Paulo Martinelli*, O Estado de S.Paulo
O Supremo Tribunal Federal, por um voto de diferença, decidiu que a imunidade formal prevista aos deputados federais e senadores são aplicáveis, também, aos deputados estaduais. Não obstante a opinião pública tenha ficado insatisfeita com o resultado, o STF apenas fez cumprir o que a Constituição Federal claramente determina. O art. 53, § 2°, da Constituição Federal impõe aos membros do Congresso Nacional a imunidade formal, como garantia do melhor exercício de sua função. Aliás, a imunidade pertence ao cargo, não à pessoa, por isso é imposta. Isso significa que o próprio parlamentar não pode abrir mão da imunidade. Conforme nossa Carta Magna, “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.
Deputados federais e senadores não podem ser presos preventivamente, por meio de mandado expedido pelo STF, exceto quando a prisão decorrer de flagrante de crime inafiançável. Ou seja, antes de decisão condenatória transitada em julgado o parlamentar só pode ser preso de maneira excepcional, quando for flagrado praticando crime inafiançável, e, mesmo assim, em até 24 horas sua respectiva Casa deverá decidir, por maioria, se a prisão será revogada ou mantida. Essa garantia tem por finalidade impedir prisões arbitrárias que possam comprometer seu desempenho no exercício do mandato.
Ao mesmo tempo, a Constituição Federal, em seu art. 27, § 2°, expressamente estende aos deputados estaduais as regras sobre inviolabilidades e imunidades. Portanto, os parlamentares estaduais também só podem ser presos preventivamente quando houver flagrante de crime inafiançável e, posteriormente, em até 24 horas, a Assembleia Estadual deve votar se a prisão deve ou não ser mantida. Constituições Estaduais também preveem dispositivo semelhante, alguns que foram objeto do julgamento no STF. A Corte, de maneira correta, apesar de maioria apertada, decidiu que a imunidade também alcança deputados estaduais, em conformidade com o que determina a Constituição Federal.
Apesar de um clamor popular pela prisão imediata de agentes públicos acusados de crimes, que inclui a manifestação de associações de Magistrados, a Constituição Federal deve ser respeitada. O ativismo judicial é fonte de insegurança jurídica, pois legislar não é papel do Poder Judiciário. No Estado democrático de direito, em que há a separação dos poderes, uma regra da Constituição somente pode ser modificada por uma emenda constitucional, aprovada por quórum qualificado da Câmara dos Deputados e do Senado, em dois turnos – e se não for uma cláusula pétrea, já que está só é modificável por uma nova Constituição.
Deve-se respeitar a independência entre os Poderes da República. Gostando ou não do texto constitucional, ou até de uma lei, o cidadão inconformado deve cobrar atitudes de seu deputado ou senador, não pressionar o STF a praticar atos indevidos. Nossa democracia ainda é jovem e só pode amadurecer se houver respeito às regras impostas. Os magistrados não podem decidir de acordo com a vontade da maioria se esta for contrária ao ordenamento jurídico. Quem agrada eleitor é político; o juiz deve seguir a Constituição.
* ADVOGADO CRIMINALISTA, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E DOUTOR EM DIREITO PENAL PELA USP