A Constituição brasileira, que ainda não completou 33 anos, instituiu o
presidencialismo. Nesse breve período já houve dois impeachments. E agora
assiste-se à pregação de novo impeachment. Não há dúvida: no próximo
mandato, seja quem for o presidente, virá nova proposta de impedimento. E
assim sempre.
Por outro lado, temos mais de 30 partidos políticos. Há 20 anos se fala em
reforma política. Alardeia-se que deveria ser a primeira das reformas. Não se
conseguiu levar a ideia adiante. Mas a esta altura podemos dizer: não dá mais!
É preciso reformatar o sistema político. No presidencialismo o governo tem
de ter maioria parlamentar. Manda ao Congresso Nacional projetos de lei,
emendas à Constituição e edita medidas provisórias. Tais atos normativos
dependem de aprovação da maioria. Os governos presidencialistas, em geral,
acabam por consegui-la. Mas são maiorias instáveis, sempre provisórias,
nunca sólidas e definitivas.
A solução é mudarmos o sistema de governo. É caminharmos para um regime
semipresidencialista. Não o parlamentarismo puro, em que “o rei reina, mas
não governa”. Mas um sistema em que o presidente da República tenha
funções relevantes, como, por exemplo, chefiar as Forças Armadas, conduzir
a diplomacia, ter direito de veto ou sanção, nomear e exonerar os membros
do governo quando o primeiro-ministro o solicitar, e nomeá-lo, além de
outras tantas tarefas que lhe concedam participação e comando efetivos. É aí
que o semipresidencialismo difere do parlamentarismo puro. E penso que
será mais bem aceito num país que viveu mais de um século em regime
presidencialista.
A chefia de governo caberá ao primeiro-ministro, a quem incumbe, com o
Gabinete, conduzir a administração interna do País. O Gabinete teria sede
constitucional no Parlamento, podendo o primeiro-ministro ser ou não
parlamentar. Mas para formar o governo impõe-se ter a maioria do
Parlamento. Ou seja, somente terão assento no governo os partidos que, de
forma coligada, obtiverem maioria.
Se no presidencialismo a maioria é necessária, no semipresidencialismo é
indispensável. Sem ela não há governo, já que o Gabinete não se instala.
Diferentemente do presidencialismo, em que o chefe de Estado e de governo
é eleito e só depois busca a maioria, no semipresidencialismo o presidente é
eleito, mas o primeiro-ministro será fruto da maioria política que se formar
por força das eleições parlamentares ou em razão de ajustamento político.
Haverá “situação” e “oposição”. Mas a situação será muito mais estável.
Mantida a maioria, o Gabinete governa. Perdendo-a, cai o governo. E aí está
uma vantagem fundamental em relação ao sistema presidencialista. É que os
governos, no semipresidencialismo, podem cair sem traumas institucionais.
Outra vantagem é que o Legislativo passa a ser, além de legislador, executor.
Aumenta a sua responsabilidade. Ou seja, se o governo não der certo, não é
por omissão do Executivo.
A terceira vantagem é que no sistema proposto os partidos apoiadores do
governo se caracterizam como uma unidade, da mesma forma que a oposição.
É como se tivéssemos apenas dois partidos. E de maneira natural, sem os
traumas de sua eliminação radical e forçada. E por que se fala aqui em sistema semipresidencialista? É que há experiências bem-sucedidas, como as de Portugal e da França. No Brasil estamos
acostumados à figura do presidente da República. Daí por que não pode ele
ser de segundo grau, mas, sim, alguém que participa ativamente da
governabilidade; e não propomos o parlamentarismo puro.
Já tivemos razoável experiência no meu governo. Chamei o Congresso
Nacional para governar comigo. Foi ensaio de semipresidencialismo. Com
êxito. Em dois anos e meio aprovamos reformas fundamentais: a do teto dos
gastos públicos, a trabalhista e a do ensino médio, além de termos tornado
viável a da Previdência. Foi, aliás, o que permitiu a recuperação do PIB, a
queda da inflação e a dos juros.
O certo, portanto, é propor emenda à Constituição que, instituindo-o,
determine a sua aplicação em 2026, já que os eleitos em 2018 o foram sob
regime jurídico que lhes permite a reeleição. Finalmente, o Congresso
Nacional, ao promulgar a emenda constitucional modificativa, deve submetê-la a referendo popular, que lhe dará maior consistência política.
Saliento que não há impedimento constitucional. Anoto: a separação de
Poderes é cláusula pétrea. Estes não serão eliminados. Continuarão a existir
em tríplice formação. Em síntese: a mudança de sistema de governo 1) impedirá os traumas
institucionais decorrentes do impeachment; 2) reduzirá, com naturalidade, o
número de partidos políticos, já que existirá “um” partido fruto da coligação
que será governo e “outro”, oposição; 3) o Legislativo passa a ser responsável
direto pela governabilidade; e 4) o presidente da República continuará a ter
funções relevantes, mas conjugadamente com o Parlamento.
ADVOGADO, PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL, FOI
PRESIDENTE DA REPÚBLICA