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O equilíbrio entre os poderes e a lição para os legislativos municipais

Por Gilson Conzatti, presidente da União dos Vereadores do Brasil (UVB)

O recente episódio envolvendo o aumento do IOF e a reação do Congresso Nacional trouxe à tona um tema central para a democracia brasileira: o equilíbrio entre os poderes e a legitimidade das decisões institucionais. A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de suspender tanto o decreto presidencial quanto o decreto legislativo, e de convocar uma audiência de conciliação entre Executivo e Legislativo, merece reflexão, principalmente por quem representa o Parlamento na base: os vereadores.

O ministro avaliou que ambos os atos, do Executivo e do Congresso, aparentam se distanciar, em um primeiro momento, dos pressupostos constitucionais. Ele ponderou que há dúvidas fundadas sobre a finalidade do decreto presidencial, especialmente ao observar que a medida, apresentada como extrafiscal, foi publicamente defendida por representantes do governo como necessária para alcançar metas arrecadatórias. Por outro lado, o ministro também destacou que o Congresso teria utilizado um instrumento de controle (o decreto legislativo) cuja aplicação é excepcional e restrita a atos que extrapolem o poder regulamentar do Executivo, o que não seria o caso do decreto em questão, por ser autônomo.

O ponto de equilíbrio proposto pelo ministro, a realização de uma audiência de conciliação entre os Poderes, deve ser valorizado. Trata-se de um gesto de maturidade institucional. No entanto, é preciso lembrar que o papel do Parlamento, em qualquer esfera, é justamente fiscalizar, reagir e deliberar sobre medidas que impactam a sociedade. Quando o Legislativo se manifesta diante de um decreto que, na prática, impõe carga tributária adicional à população, ele está exercendo sua função constitucional de controle e representação.

Como presidente da UVB e vereador, reafirmo a importância de fortalecer o papel dos parlamentos municipais. O que acontece em Brasília não deve ser visto com distância pelos vereadores, mas como referência. Nossas Câmaras também enfrentam decretos locais que impactam tributos, orçamentos e serviços públicos, e nem sempre contam com mecanismos regimentais claros para analisar ou sustar esses atos. A lição que fica é que precisamos construir um Legislativo mais técnico, mais preparado e mais respeitado.

O episódio do IOF deixa evidente que as formas de controle dos atos do Executivo precisam ser respeitadas, mas também precisam ser garantidas. A Constituição prevê freios e contrapesos não como obstáculos, mas como salvaguardas da democracia. A atuação do Congresso foi legítima, mesmo que sujeita à análise jurídica posterior. Mais do que apontar erros formais, é preciso reconhecer o mérito político: o Parlamento se posicionou.

Nos municípios, esse exemplo deve ser seguido com responsabilidade. É hora de estabelecer rotinas de análise de atos do Executivo e reforçar a qualificação jurídica e institucional dos vereadores. A UVB seguirá cumprindo esse papel, oferecendo suporte, formação e posicionamento sempre que os poderes precisarem encontrar o caminho do diálogo, mas sem perder de vista a autonomia e a legitimidade do Legislativo.

Que o episódio do IOF, ainda em curso, seja visto pelas nossas Câmaras não apenas como uma disputa técnica, mas como uma demonstração clara de que legislar é, sim, participar ativamente das decisões que afetam a vida dos cidadãos.

 

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