São consistentes, para dizer o mínimo, os motivos fáticos e jurídicos que levaram três ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a acatar a cassação da chapa Dilma e Temer. Já as alegações dos quatro votos contrários, embora respeitáveis, se mostraram mais vulneráveis na avaliação majoritária da população brasileira. Os vínculos pessoais e políticos dos ministros foram muito questionados. De fato, as indicações de tribunais superiores vinculadas à escolha do chefe do Executivo é algo que precisa mudar com urgência. Não é razoável, justo e seguro que ocorra tamanha concentração de poder. Todavia, há outro aspecto relevante que certamente compôs o juízo subjetivo desses magistrados: a instabilidade institucional, política e econômica que a cassação judicial de um presidente da República imporia ao país.
Realmente seria esdrúxulo nesse sentido que, dois anos e meios depois da posse, uma decisão do Poder Judiciário viesse a deslegitimar a escolha das urnas. O julgamento de processos eleitorais, nesse e em outros casos, precisa ocorrer com maior celeridade. Caso contrário, as ações perdem completamente o sentido. Outra nuance importante é a ausência do vice-presidente da República na atual circunstância, o que geraria a necessidade de eleição indireta pelo Congresso Nacional. E para agravar essa situação, além de termos um presidente escolhido indiretamente, a responsabilidade da decisão recairia sobre um parlamento que carece de credibilidade perante a opinião pública. Muitos nomes, inclusive, estão envolvidos em casos de corrupção. Por fim, haveria um enorme impacto na economia, que recém ensaia uma recuperação, e voltaria a navegar num grande mar de incertezas.
Mas o que todo esse episódio mostra, independente da decisão e de suas motivações, é que as instituições do país, embora funcionem, estão mergulhadas numa extraordinária crise. Explico. Em primeiro lugar, fica claro que nossas instituições cumprem seus papeis. Não há perseguição explícita, censura metódica à imprensa ou tampouco ameaça de um golpe militar ou civil. Mesmo com tudo o que ocorreu nos últimos meses, as regras constitucionais foram observadas. Mas, em segundo lugar, resta evidente que as instituições funcionam mal. Então: funcionam, mas funcionam mal – porque foram constituídas de maneira equivocada, ou porque seu modelo que já se esgotou. Esse é o ponto central sobre o qual o Brasil precisa se debruçar nos próximos meses e anos se não quiser que, volta e meia, uma crise desse montante reapareça, independente do contorno político do governo. O sistema que temos fomenta e gera esse ambiente.
O problema brasileiro, portanto, é muito mais profundo do que a discussão sobre honestidade e corrupção. A nação precisa dar-se conta disso. Essa depuração é necessária e precisa ir a fundo, mas a pauta de transformação não pode ficar apenas nela. É preciso compreender que, por trás dos atores e seus desmandos, há – repito – um modelo falido, contraditório, facilitador e até estimulador de crise política, instabilidade econômica e baixa percepção da representatividade popular. Um regime em que o povo não se enxerga, sem dúvida alguma, já sucumbiu. E é isso que ocorreu conosco: o presidencialismo de coalizão não responde às exigências de um país que se pretende moderno e ágil para superar desafios. O nosso regramento constitucional, ao contrário, gera crises e demora para sair delas – não tem institutos ágeis para isso.
Precisamos de uma reforma institucional profunda. Chegou a hora de falar novamente sobre parlamentarismo ou ao menos sobre um modelo misto, ao estilo francês, que não torne tão traumáticas as substituições presidenciais. Precisamos conectar o parlamento às responsabilidades do Executivo, e vice-versa, e não mais permitir que a maioria seja composta por métodos sabidamente pouco ortodoxos. Cabe-nos, com isso, recuperar o significado dos partidos, sem mais oferecer um interminável cardápio de possibilidades, que serve ao fisiologismo e ao clientelismo. Ninguém tem dúvida de que a Lava-Jata precisa prosseguir, até o fim, doa a quem doer, custe o que custar. Mas que não se tenha mais dúvida, ao mesmo tempo, sobre a necessidade de reformar profundamente o país. Para ontem!