Em tempos de dificuldades, não raras vezes surgem oportunidades que facilitam a realização de mudanças sociais.
É o caso, atualmente, da crise econômica e financeira que aflige o Brasil.
De há muito, o Estado brasileiro – aqui entendido em sentido lato, gênero do qual são espécies o Município, os Estados Federados, o Distrito Federal e União – tem sido o principal motor da economia tupiniquim.
Não é difícil se chegar a essa conclusão. Basta fazer um rápido apanhado em nossas famílias, aqui mesmo em terras potiguares. São raras as unidades familiares que não mostrem uma relação de dependência de, pelo menos, a maioria de seus membros economicamente ativos com algum órgão estatal (ou semi estatal). Estado, Município, União, estabelecimentos educacionais públicos nas 3 esferas, CAERN, Petrobrás, Potigás, Datanorte, Assembléia, Judiciário, Ministério Público, Secretarias, Prefeituras, Câmaras,… A lista é longa, e não demanda menos do que 500 palavras.
Isso espelha uma considerável falta de planejamento econômico e administrativo por parte dos gestores que se sucederam nos três poderes das unidades federadas e de seus órgãos autônomos.
É inviável, para qualquer sociedade, manter mais pessoas empregadas em entes públicos do que na iniciativa privada.
Essa inferência pode ser extraída de uma conclusão lógica: quem sustenta o Estado é a sociedade, e não o oposto. O Estado não gera riquezas. Arrecada da atividade econômica, para promover padrões mínimos de direitos fundamentais e sociais.
Calhou, contudo, em tempos de crise econômica, de se instalar no Brasil também uma crise jurídica. O exame dos Relatórios de Gestão Fiscal e dos arts. 19 e 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal revela que, atualmente, a grande maioria dos Executivos dos Municípios e dos Estados brasileiros estão acima do limite prudencial ou – o que é mais alarmante – acima do limite legal de despesas com pessoal (54% da Receita Corrente Líquida para as Prefeituras e 49% para os Governos de Estados e do DF). Os Legislativos, Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e Judiciários não ficam muito atrás.
Isso se explica facilmente: enquanto as receitas públicas, dependentes da volátil economia de mercado decresceram, as despesas com pessoal dos entes públicos praticamente não se modificaram (ao invés, cresceram).
Para tais situações, a LRF (arts. 22 e 23) e a própria Constituição Federal (art. 169, §§3º e 4º) dão a solução:
1) redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança (o que significa que pode chegar a 100%);
2) exoneração dos servidores não estáveis;
3) se não forem suficientes essas medidas, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.
Existe, nos Municípios, no Estado e na União, uma quantidade considerável de cargos comissionados, contratos temporários e outros vínculos precários que devem – em obediência ao texto constitucional – serem revistos.
A Constituição já deu há muito o comando. O seu descumprimento doloso representa ato ilícito – e, a depender do caso concreto, ímprobo (Art. 11, II, da Lei 8.429/92) e/ou criminoso (Prevaricação).
As receitas frustradas impõem a diminuição de cargos comissionados, contratos temporários e até mesmo servidores efetivos, especialmente os que eventualmente não desempenhem funções relevantes para o Estado. Não existe mais o dogma da intangibilidade do servidor de carreira, após a Emenda Constitucional 19, de 1998.
É chegada a hora dos governantes deste país agirem como estadistas, deixando de lado a figura de meros defensores de mandatos.
O enxugamento da máquina e a admissão de servidores públicos mais qualificados para atividades essenciais. Esse é o legado positivo que pode ser deixado pelo sumo ácido da crise atual do Estado brasileiro.
Augusto Carlos Rocha de Lima Promotor de Justiça
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