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Cortar ministérios é pouco: economistas defendem reformas estruturais

O corte de ministérios que deve ser anunciado pela presidente Dilma Rousseff tem valor simbólico importante e pode poupar alguns milhares de reais do orçamento, mas está longe de garantir o equilíbrio das contas públicas no longo prazo, segundo especialistas consultados pela BBC Brasil.

Com as dificuldades do governo em promover um ajuste fiscal e o recente rebaixamento da nota de crédito do país pela agência Standard & Poor’s parece estar crescendo entre economistas de diferentes linhas teóricas a percepção de que, sem reformas amplas para lidar com os itens que mais pesam no orçamento, a única forma da conta fechar é com aumentos sucessivos da carga tributária, que já subiu de 25% para 36% do PIB desde os anos 90. “Certamente é importante que o governo dê sinalizações de que está empenhado em cortar ‘na própria carne’”, diz Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

Ele diz que além dos ministérios e cargos comissionados, podem ser reduzidas as despesas como passagens aéreas, que consomem R$ 2,7 bilhões do orçamento; festas, premiações e conferências, que custam R$ 400 milhões; ou aluguéis de imóveis (R$ 1,4 bilhão). “Mas se formos debater o que é preciso para equilibrar o orçamento, precisamos nos concentrar nas despesas mais relevantes, as de maior peso. Nenhum desses gastos chegam perto de cobrir os R$ 32 bilhões que o governo quer conseguir com o relançamento da CPMF (imposto sobre transações financeiras), por exemplo.

No longo prazo, é difícil avançar sem reformas na previdência ou uma rediscussão dos gastos obrigatórios.” Entre economistas críticos ao governo, até pouco tempo era comum ouvir que o desequilíbrio nas contas públicas teria sido provocado pela expansão dos gastos promovida no governo Dilma e a chamada “contabilidade criativa” praticada sob a tutela do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Do outro lado, economistas simpáticos ao governo enfatizavam que a freada na economia tinha contribuído para derrubar a receita pública, desestabilizado o orçamento. Agora, um número cada vez maior de especialistas tem ressaltado que o problema é estrutural – e, portanto, só pode ser resolvido com reformas mais amplas.

“Ao contrário da visão dominante, a crise fiscal não decorre apenas do descontrole das contas públicas nos últimos anos. (…) A crise é mais profunda e requer um ajuste mais severo e estrutural”, diz um artigo recente assinado por Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, economistas próximos ao PSDB. Em outro artigo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o economista Bernard Appy, que ocupou diversos cargos de direção no Ministério da Fazenda de 2003 a 2009, o assessor do Senado Marcos Mendes, Lisboa e o professor do Insper Sérgio Lazzarini ressaltam que, desde 1991, as despesas públicas cresceram de 11% para 19% do PIB.

“A crise fiscal não é recente nem passageira”, dizem. “A identificação desse problema não redime os governos Lula e Dilma, nos quais crescimento da despesa foi agravado por uma série de medidas a meu ver equivocadas, mas de fato o debate ganhou muito ao se colocar essa questão estrutural sobre a mesa”, disse Almeida à BBC Brasil. Propostas Cerca de 90% das despesas do governo são consideradas obrigatórias e mesmo entre os gastos discricionários há itens que, a princípio, não podem ser cortados – como as despesas vinculadas com educação e saúde. Só os gastos com previdência já estão ao redor de R$ 400 bilhões e aumentam ano a ano. A conta dos juros e encargos da dívida pública também é alta: até julho deste ano ficou em R$278 bilhões. “E o aumento em relação ao ano passado foi de mais de 90%”, diz o economista André Perfeito, da Gradual Investimentos. As propostas para resolver a questão são muitas e, com frequência, divergentes. Entre as mudanças mais citadas por economistas de diversas linhas teóricas estão o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria do INSS – proposta bastante combatida por sindicatos e associações de trabalhadores. Hoje, a média de aposentadoria no Brasil é de 55 anos para os homens e 53 para as mulheres.

Em boa parte dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a idade mínima é 65 anos. Para economistas mais liberais, um ajuste estrutural seria uma oportunidade para se repensar o tamanho e prioridades do Estado brasileiro. Entre eles, muitos defendem a necessidade de medidas como o desmonte de subsídios setoriais e uma reforma mais ampla do sistema de previdência, com alteração dos valores e fórmula de reajuste de benefícios sociais e previdenciários, como a pensão por morte. “Não faz muito sentido, por exemplo, as regras e valores das aposentadorias do setor público serem tão diferentes das do setor privado”, diz o professor do Insper Otto Nogami. Outra proposta comum é que haja uma revisão da regra que vincula uma porcentagem da receita pública com gastos das áreas de educação e saúde. O argumento, no caso, é que justamente quando a economia vai bem – e seria mais fácil poupar – o governo é obrigado a gastar mais. “Talvez poderia ser adotado um novo cálculo, considerando, por exemplo, uma receita média”, diz Almeida. “Tal como está, quanto mais você aumenta seu esforço de arrecadação, mais tem de ampliar seus gastos.”

Contra os cortes

Mas também há quem seja contra qualquer fórmula que possa resultar em uma redução dos recursos destinados a educação e saúde. “Falta investir em qualidade para melhorar o serviço oferecido à população. Mas cortar pode por alguns avanços em risco”, diz Francisco Lopreato, da Unicamp. Entre os economistas heterodoxos, alguns defendem uma reforma no sistema tributário para torná-lo menos regressivo, introduzindo impostos sobre herança, lucros e dividendos e a renda das parcelas mais abastadas da população.

Também há quem defenda que o maior problema são os gastos com juros da dívida e proponha uma guinada da política monetária ou outras iniciativas para reduzir essa conta. “O próprio Banco Central registra em seus relatórios e atas que a inflação está alta pela correção dos preços controlados e pelo efeito câmbio. Com a recessão, a demanda caiu, então como continuam subindo tanto os juros para controlar aumento de preços que não estão reagindo à demanda?”, questionou, recentemente, a economista da USP Laura de Carvalho em um artigo no jornal Folha de S. Paulo. “Esse é um vespeiro porque há grande pressão dos mercados para que o governo faça superávit suficiente para pagar os juros da dívida. Mas quanto mais se aumentam os juros, maior tem de ser a economia”, diz Lopreato, da Unicamp. “Em princípio se poderia pensar em uma estratégia para reduzir a dívida, por exemplo, com a venda de ativos (da União).

Mas isso não é algo trivial, por que os mercados e grupos financeiros que se beneficiam dos juros altos têm grande poder de pressão.” Almeida discorda. Para ele, a alta conta de juros é resultado do que o governo fez de errado, decisões que aumentaram a percepção de risco do país. Ele lembra que essa conta também inclui a perda com os leilões de contratos de swap cambial (instrumentos que equivalem à venda futura de dólares). “A redução dos juros deve ser uma consequência do ajuste. Não tem como ser seu ponto de partida”, opina. *As informações são da BBC Brasil

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