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Atualização desordenada de leis cria caos legislativo e gera insegurança

Por Gustavo Filipe Barbosa Garcia

Vivemos tempos de intensa produção legislativa, com novos códigos, estatutos, leis ordinárias e complementares, medidas provisórias, reformas constitucionais, decretos, regulamentações normativas, mudanças estruturais na administração pública, inclusive com a fusão e a extinção de ministérios.

Há situações, inusitadas, de lei aprovada, sancionada e publicada, com prazo para entrada em vigor, prevendo a alteração de norma anterior, em que esta é novamente modificada, antes do início da vigência daquela, por lei posterior, também com prazo de vacatio legis.

Em casos assim, qual modificação deve prevalecer: a decorrente de lei posteriormente publicada ou de norma que entrou em vigor por último?

Instaura-se, como se pode notar, um verdadeiro caos legislativo, desafiando os melhores intérpretes e os mais dedicados juristas na compreensão do labirinto que tem se tornado o Direito positivo.

Não são mais encontradas soluções adequadas nas tradicionais lições científicas e doutrinárias, de épocas em que a lei ainda exercia o papel de garantir a segurança, a paz e a harmonia na vida em sociedade.

É certo que cabe aos poderes constituídos o constante aperfeiçoamento das instituições jurídicas e sociais.

Os responsáveis pelo processo legislativo, portanto, devem sempre buscar a atualização e a adequação do ordenamento, de modo a acompanhar a evolução social.

Isso não se confunde, entretanto, com a aprovação desordenada e incoerente de novos diplomas legais, alterando, constantemente, as regras do jogo, ao prever sucessivas mudanças em relações continuadas, o que resulta em completa insegurança jurídica, insatisfação social e profunda instabilidade entre os vínculos pessoais, econômicos, políticos e profissionais.

Observa-se, assim, o nítido desvirtuamento da atividade legislativa, gerando a deturpação dos próprios objetivos e fundamentos do Direito.

O sistema jurídico, que teria o papel de reger a vida social, para que as pessoas possam se relacionar de forma harmônica e coerente, estabelecendo segurança e certeza, passa a ser gerador de desconfiança, dúvida e instabilidade, por não haver mais qualquer previsibilidade quanto às regras postas, tornando impossível saber se valerão durante um período mínimo e razoável sequer.

A crítica, ademais, não se restringe à atividade legislativa, mas alcança também a atuação dos tribunais, que alteram interpretações já sedimentadas e consolidadas, até mesmo constantes de enunciados de súmula da jurisprudência uniforme, muitas vezes sem qualquer prévia mudança normativa ou de condições sociais.

Em casos de modificações jurisprudenciais, a insegurança, inclusive, pode até mesmo se acentuar, pois há situações em que a nova orientação é aplicada de forma imediata, a feitos em andamento, mas que versam sobre fatos ocorridos antes da alteração do entendimento do tribunal, nos quais as partes envolvidas pautaram as suas condutas justamente pela posição que prevalecia na época, sendo, assim, injustamente surpreendidas pela repentina mudança.

Sabendo-se que o Direito não se resume às leis, nem à jurisprudência, por abranger um complexo normativo, de regras e princípios, aplicado às relações intersubjetivas, considerando certos valores essenciais ao ser humano e à coletividade, o que se observa, no presente, é o descontrole e o desequilíbrio legislativo e jurisprudencial.

O Direito, que deveria servir positivamente às pessoas e à sociedade, ao ter os seus fundamentos e objetivos desvirtuados, contraditoriamente, passa a prejudicá-las.

Eis o cenário de crise sistêmica e institucional mais grave e profunda que poderíamos chegar.

Gustavo Filipe Barbosa Garcia é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla.

Fonte: CONJUR

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