HERVAL SAMPAIO Juiz de Direito |
Há algum tempo venho me preocupando com esse tema, a partir de nossa experiência pessoal e como ex-Juiz Eleitoral, pois apesar de ser da essência de uma eleição que os possíveis candidatos possam exprimir as suas ideias, temos ainda limites em vários sentidos para essa liberdade, a qual independentemente de qualquer legislação, a nossa Carta Magna a assegura, entretanto, como todo e qualquer direito, tal liberdade não é absoluta.
Não tenho a menor dúvida que os adeptos da liberdade total de propaganda em qualquer período têm suas razões e as mesmas encontram aprumo, não só na própria Constituição, bem como no que se procura aferir no processo eleitoral, contudo, infelizmente temos realidades em nossa política, que chamo de politicagem, as quais, no mínimo, impõem um temperamento dessa posição (Triste realidade da politicagem brasileira: uma verdade que precisa ser enfrentada com rigor e firmeza e Triste realidade da politicagem brasileira II: uma verdade que precisa ser enfrentada com rigor e firmeza).
E de modo mais claro ainda me refiro à questão do abuso de poder em seu sentido amplo, pois sabemos que a potencialidade dessa ilicitude é praticamente irreversível quando bem feita, logo a sociedade em geral e autoridades em específico não podem olvidar dessa prática quase que constante em nosso processo eleitoral, daí a preocupação de que a partir da abertura que indiscutivelmente tivemos com a chamada minirreforma eleitoral, pode haver várias ilicitudes que serão acomodadas em situações legais, descumprindo a Lei Maior e desigualando ainda mais o nosso já desigual processo eleitoral.
Dentro dessa perspectiva, defendemos uma interpretação sistemática da nova redação do artigo 36A da lei das eleições e artigo 2º da resolução 23.457/2015, que segue abaixo, a qual regerá as nossas ponderações adiante:
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
V – a manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)
Parágrafo único. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
A ampliação indiscutível dos casos em que o legislador não mais qualifica como ato de propaganda antecipada, ressaltando, desde já, como fizemos em comentários à legislação passada (Aspectos polêmicos da chamada propaganda eleitoral antecipada – Parte I e Aspectos polêmicos da chamada propaganda eleitoral antecipada – Parte II), que o termo em si é discutível, pois só temos verdadeiramente propaganda a partir de 16 de agosto, encurtando-se sobremaneira o tempo para prática de tal ato[1].
Feita tal ressalva, para nós imperiosa a fim de que os leitores compreendam nossa ideia, comentaremos amiúde nesse texto inicial e quantos outros se fizerem necessário, o caput, os incisos e parágrafos acrescidos e remodelados supra, tudo com o escopo de se comprovar, que mesmo com a abertura feita pela lei[2], não se pode admitir um alargamento que permita ao pré-candidato um espaço que o mesmo não tem em nenhum momento do processo eleitoral.
Quanto ao caput em si, temos que o legislador provocou de plano a mudança por completo do que vinha sendo compreendido como propaganda antecipada por parte da doutrina e jurisprudência do TSE, aos quais eram sólidas no sentido de que mesmo não havendo pedido explicito de votos, poderíamos ter tal ilegalidade com pedidos implícitos e diversas outras ações que a caracterizam como irregular.
E agora, basta que não se peça o voto explicitamente e todo o resto é permitido?
Parece-nos que não é bem assim, pois o que se passou a permitir foi claramente o tratamento de uma figura que antes era muito tímida, qual seja, o pré-candidato, que ficava “pisando em ovos” como se diz quando era indagado em entrevistas ou até mesmo em sua liberdade de manifestação de pensamento e daqui pra frente tem uma margem muito grande para expor seus ideais, projetos políticos na acepção do termo, plataformas, etc, não ligadas a candidatura em si que não existe, mas ao projeto e partido político que o mesmo faz parte, daí poder livremente mencionar tais aspectos, a fim de que quando começar a campanha já seja de certo modo conhecido pelo eleitorado.
Fugir dessa compreensão é fazer tábula rasa à própria compreensão da propaganda eleitoral em espécie e minar o momento próprio para que o pretenso postulante ao cargo público se apresente formalmente ao eleitor, aí sim podendo pedir o seu voto e ir muito além do que o artigo comentado permite.
E tanto é verdade que a menção a pré-candidatura é limitada as seis situações que serão comentadas nos demais textos, não podendo se interpretar agora que um possível candidato possa tratar de sua postulação em qualquer tipo de situação.
Sinceramente, se não for assim, para que temos um marco temporal de início de campanha eleitoral?
[1] Foge totalmente ao objetivo desse texto tratar de outra indiscutível mudança que se operou na legislação, qual seja, a limitação de gastos e restrição ao uso do poder econômico como fator determinante para o desempenho dos candidatos, já que mais uma vez tivemos não só abreviação do tempo de campanha, mas alterações que buscam impactar diretamente no seu efetivo custo e talvez tais alterações tenham se dado justamente porque ninguém aguenta mais campanhas tão caras e muitas vezes promíscua no que tange a compra da consciência das pessoas, logo a mudança nesse sentido foi uma imposição da própria sociedade e os nossos políticos, em sua grande maioria, tiveram de engolir “goela abaixo” como se diz.
[2] Um pensamento quase que automático que tivemos aos nos deparar com a modificação imposta pela lei 13.165/2015 na matéria em análise, foi a de que houve uma patente compensação quanto ao encurtamento mencionado, pois tal abreviação indiscutivelmente prestigia quem já está no poder e que regra geral fará de tudo para continuar no mesmo, logo quem será candidato pela primeira vez ou não está no poder tem de se apresentar a sociedade antes do início da campanha, sob pena de sequer dá tempo de ser conhecido pelo eleitor.