Whatsapp

A MÍDIA IRRESPONSÁVEL E O PRINCÍPIO DE DALÍ

Por MOISÉS PESSUTI

Em meados de Dezembro último, saída do cinema com a minha esposa numa segunda-feira à noite. Escutávamos a Band News. Estava passando o programa “Clube dos 5”, o qual, segundo consta no próprio site, (http://bandnewsfm.band.uol.com.br/) “traz as principais notícias da semana com uma abordagem irreverente, comentando os fatos daqui e de fora do Brasil de um jeito leve, com humor ácido e muita interação com os ouvintes”.

Confesso que nunca tinha escutado o programa (até porque as 23h30 de uma 2ª-feira eu costumo estar em casa), e só o fiz porque o rádio estava sintonizado na Band News, vez que durante o dia, quando estou dirigindo, raramente ouço música e sim notícias.

O assunto não podia ser outro senão o Impeachment da Presidente Dilma e assuntos correlatos. Até a recente vitória do Macri na Argentina foi comentada e comemorada por um dos apresentadores (provavelmente pelo Marcelo Mansfield, já que a voz soou ser de uma pessoa mais velha que os demais) ao dizer que finalmente agora o país – a Argentina, no caso – teria um Presidente moderno, jovem e com uma mulher bonita e não uma velha toda plastificada (referindo-se à já ex-Presidente Cristina Kirchner). Por mais irônico que ele parecesse estar sendo, o comentário soou como verdadeira opinião, carregada de juízo de valor. Enfim…

Apesar da minha esposa ter tentado trocar de estação umas 2 vezes, eu insisti em deixar no programa, eis que me divertia até, mesmo que ainda estivesse achando mais graça nas risadas de fundo dos demais apresentadores (aliás, tive que pesquisar para saber quem eram Dani Tesolin, Juliana Santos, Daniel de Rogatis e Carlos Fariello – e confesso também que o fiz constrangido, pois trata-se de um programa de rádio de uma das principais emissoras do pais! Eu deveria saber quem são!).

Entretanto, o programa perdeu a graça quando uma das apresentadoras (não sei qual, só sei que era a mais falante e assertiva de todos) disse, cheia de razão, que o cenário em Brasília poderia se tornar um verdadeiro circo, uma vez que o país – o Brasil no caso – poderia vir a ser governado, ainda que temporariamente, por um palhaço, o Tiririca.

Perdeu a graça porque a fala dela, ao vivo, num programa que (imagino) deve ter razoável audiência, mostra que a mídia em geral, ou grande parte dela, não está muito preocupada com a veracidade e fidedignidade do que propagam.

Uma coisa é a afirmação de que o Tiririca pode vir a assumir a Presidência se propague no Whats App e Facebook, campo extremamente fértil para ‘compartilhamentos absurdos e sem fundamentos’ (para não exagerarmos na conceituação desse ‘fenômeno’ que pulveriza ‘verdades’ que dão ao menos ilustre usuário das redes sociais ‘conhecimento’ suficiente para impor a sua ‘razão’ numa mesa de bar ou no sofá de domingo em plena final da Dança dos Famosos).

Outra é uma apresentadora de programa de rádio de conceituada emissora propagar tal afirmação, e ter seu comentário enaltecido ou acompanhado pelos demais, que riram e concordaram com a ‘palhaçada’ que se instalou em Brasília (com ou sem trocadilhos aqui – vai da interpretação de cada qual).

Para quem não sabe (e imagino que muitos os que receberam no Whats ou no Face a postagem de que o Tiririca pode vir a assumir a presidência não sabiam e passaram a acreditar nisso, tanto que , aposto, curtiram ou compartilharam), o comentário da apresentadora do Clube dos 5 é uma grande baboseira.

E para explicar porque é uma baboseira, compartilho um texto do meu ilustre amigo Fernando Neisser1, no qual ele explica a ordem de sucessão presidencial e o ‘Princípio de Dalí’, que me parece ser um princípio muito mais presente na vida dos brasileiros do que noções mínimas de responsabilidade por aquilo que se fala, opina e se propaga.

Segue o texto:

“Diante de cada fato relevante que repercute na internet, já quase nos acostumamos com as teorias surreais que começam a circular desde os primeiros momentos. A que chegou a mim em alguns questionamentos é especialmente curiosa: Tiririca seria nomeado Presidente da República.

A estória passa por uma mal-ajambrada construção, segundo a qual, com o impeachment de Dilma, Temer não poderia assumir em razão de supostas investigações a que responde. Em decorrência da Operação Lava-Jato, Eduardo Cunha e Renan Calheiros também estariam fora do páreo.

Assim, assumiria temporariamente o Presidente do Supremo que convocaria novas eleições. Mas, neste meio tempo, deveria assumir como Presidente da República o Deputado Federal mais votado. Ocorre que Russomano teria também uma condenação e, portanto, veríamos Tiririca subindo a rampa do Planalto.

Nada mais sem sentido.

A linha de sucessão presidencial tem, por ordem, o vice-presidente, os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. E só.
Temer não responde a qualquer processo, por hora ao menos, que inviabilize assumir se necessário.

Cunha, enquanto permanecer deputado e Presidente da Câmara, também poderia fazê-lo na impossibilidade de Temer ascender ao cargo por alguma outra razão. Se Cunha for cassado, obviamente a Câmara dos Deputados não permanecerá sem um Presidente, elegendo-se outro que, então, entraria na linha sucessória.

O mesmo vale para Renan Calheiros, caso no futuro venha a sofrer alguma condenação que leve a sua cassação. O Senado Federal escolheria outro chefe, que preencheria a linha sucessória.

Em outras palavras, a sucessão não é pessoal; não é Temer-Cunha-Renan-Lewandowski. Mas institucional, são os cargos que detêm o direito de sucessão, não seus ocupantes temporários.

E, por fim, se um cataclismo se abatesse sobre Brasília e o Parlamento resolvesse deixar de eleger presidentes, ainda assim não assumiria o deputado mais votado. Permaneceria o mandato nas mãos do Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Esclarecida a questão, calha refletir um pouco sobre como um despautério destes consegue encontrar repercussão. E não apenas no Sensacionalista ou no i-Piauí Herald, mas em compartilhamentos de quem crê no que divulga.

Existe um princípio geral da lógica que se chama “Navalha de Ockham”, segundo o qual, diante de duas explicações possíveis para um fenômeno, tende a ser verdadeira aquela que pressupõe um menor número de causas. Em outras palavras, na dúvida, fique com a explicação mais simples; é mais provável que ela seja a correta.

Na internet, aparentemente, vige uma regra oposta, o “Princípio de Dalí”, pelo qual merece ser compartilhada a informação que soar mais absurda, sem sentido e surreal possível. Parece que vivemos todos em um grande esquete do Monty Python, no qual o gerador de improbabilidades infinitas do Guia do Mochileiro das Galáxias dá uma forcinha para tornar mais amalucado.

Seria divertido, não fosse o efeito multiplicador destas sandices. Antes de compartilhar, parar, respirar, contar até três e pensar por um minutinho, segue sendo o melhor remédio.”

De fato, seria realmente divertido, não fosse trágico o efeito que causa uma baboseira dessa dita em programa de rádio de alcance nacional. Viva as redes sociais e sua capacidade de (des)informação!

_______________________________________________________________________

1 Advogado e Consultor Jurídico; Pós-graduado em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar; Pós-graduado em Direito e Processo Eleitoral pelo UniCuritiba; Secretário-Geral da Comissão de Gestão Pública e Controle da Administração da OAB/PR; Membro Fundador e Tesoureiro do IPRADE – Instituto Paranaense de Direito Eleitoral; Membro Fundador e Secretário Adjunto da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político; Professor do UNINTER e INFOCO. Professor convidado de Direito Eleitoral da Universidade Positivo. Ex-membro do Conselho de Administração da ITAIPU BINACIONAL

2 Fernando Neisser é advogado eleitoralista, mestre e doutorando pela Faculdade de Direito da USP, diretor de Relações Institucionais do Iasp e membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (Ipade).

Compartilhe: