O CAMINHO PARA UM BOM MANDATO
— 09/09/2017*Sebastião Misiara
A primeira forma de organização política da vida brasileira, no período colonial, foi a Câmara de Vereação.
Antes do Poder Executivo, exercido por lugares-tenentes do rei português, quem decidia no poder local, sobre as questões de infra-estrutura, eram as assembleias de “homens bons”, sucedidas pela forma mais sistêmica das Câmaras de Vereadores, nascidas das Ordenações Afonsinas, a partir de 1521.
Daí, até 1603, quando o domínio espanhol sobre o reino e as colônias impôs novas regras administrativas municipais, o Brasil viveu segundo as decisões de legisladores locais, eleitos pela população de homens livres, sem a necessidade da existência de prefeitos, que só vieram a existir muito mais tarde, e eleitos pelos vereadores.
Essa modalidade de exercício local da autoridade, nascida do reclamo gregário de ordem e governabilidade, impediu que a colônia submergisse na anarquia de seus núcleos iniciais.
As Câmaras Municipais agregavam a suas competências, a ação jurisdicional, tanto que da vereação ou conselho de Vereança, participava obrigatoriamente um juiz, a quem cabia acumular funções de promotor, denunciando crimes e contravenções, e da magistratura julgando e impondo penas.
Todos, vereadores e juízes integrantes das Câmaras, eleitos por um mandato de três anos (sem reeleição), não podiam negar-se ao cumprimento do mandato. Além de não serem pagos pelo exercício do cargo, ainda eram obrigados a assinar compromisso pelo qual, enquanto durasse o mandato, responderiam com seus bens pessoais pelos prejuízos causados por suas decisões, ao interesse coletivo. Era a hipoteca dos bens dos vereadores em garantia.
Muitas dessas regras se perderam, com o evoluir dos tempos e dos procedimentos.
De lá para cá, os poderes municipais viram diminuída sua antiga importância, na mesma proporção em que as câmaras municipais deixaram de ser Poder Legislativo, por conta do desrespeito à classe dos vereadores, primeiros e mais importantes agentes próximos ao povo.
Com os governos centralizados, passaram eles a mostrar pouca presença no quadro político-administrativo do país. Os governos federal e estadual se fortalecem à medida que se deu o despojamento e do empobrecimento dos municípios e suas respectivas câmaras municipais. Até porque o executivo, em todas as esferas, sobrepôs-se ao legislativo, e com o presidencialismo extremado vigente, a tendência é agravar-se progressivamente o “status quo”.
No entanto, a ninguém escapa a importância dos governos locais e seus órgãos, de que a vereança é o melhor exemplo. Afinal, o município ainda é a única esfera do Poder Público a que corresponde em concreto, um território, uma população e uma economia. É no município que se nasce, se vive e se morre. Estado e União são ficções jurídicas, que sequer poderiam existir, sem que existissem os municípios.
A partir dessa constatação, todos os serviços básicos de interesse do povo teriam que ser de natureza municipal. Em razão disso, os orçamentos deveriam adequar-se a tais competências e destinar dinheiro público para a sua consecução.
Mas, falar em modificação na pirâmide tributária, da qual ao município cabe a ínfima migalha de 17%, atualmente é hilário, eis que não só as esferas de poder mais fortes tripudiam sobre a mais fraca, como ainda o mais importante dos poderes, que é o Legislativo, se encolhe intimidado ante um executivo que sobre ele passa como um trator.
Prefeitos e vereadores assumiram suas cadeiras e seus compromissos com a cidadania e para a cidadania, com renovação jamais vista. Capacitar, estudar e dedicar com carinho ao mandato. Esse deve ser o nosso tema. O nosso lema.
O que se espera é que seja criado um governo popular municipalista, com a clarividência necessária para entender que melhorar a vida das pessoas é tornar o município cada vez mais forte.
*Sebastião Misiara
Presidente da União dos Vereadores do Estado de São Paulo
Vice-presidente do Fórum de Entidades Estaduais de Vereadores.