Temer fica, mas votos não bastam para as reformas
— 03/08/2017Faltou à oposição o apoio de 115 deputados para abrir processo e afastar o presidente. Margem do governo fica pouco acima da maioria simples.
Após uma intensa articulação política que mobilizou o Palácio do Planalto nos últimos 34 dias, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou ontem a autorização para que o Supremo Tribunal Federal julgue a denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. O parecer do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que recomendava o arquivamento da acusação formal feita pela Procuradoria-Geral da República, recebeu 264 votos favoráveis, 227 contrários. Foram registradas 19 ausências e 2 abstenções. Com a decisão, a denúncia contra Temer fica sobrestada.
A vitória do governo já era esperada. O placar ficou dentro do esperado pelos auxiliares do presidente. Para barrar a denúncia, Temer precisava do apoio de ao menos 172 deputados. Já a admissibilidade da acusação dependia de pelo menos 342 votos, dois terços da Câmara.
O problema está no futuro. O número de votos dados ontem ao Planalto é insuficiente para aprovar reformas constitucionais. Isso significa problemas para a votação, por exemplo, da reforma da Previdência.
O placar da votação na Câmara mostra que o presidente contou com o apoio decisivo do Centrão, grupo formado, entre outros, por PP, PSD, PR e PTB. Os partidos foram os primeiros a demonstrar apoio ao presidente e agora estão de olho nos cargos do PSDB, especialmente o Ministério das Cidades.
O governo articulou o dia todo para garantir um placar favorável. Negociou emendas parlamentares até no plenário, exonerou dez ministros para reassumir o mandato de deputado e tentou neutralizar a estratégia da oposição de obstruir ou adiar a votação.
Em pronunciamento logo depois da sessão da Câmara, Temer fez um pronunciamento no Planalto. Afirmou que a rejeição representou uma “conquista do estado democrático”.
Logo que a sessão foi encerrada, Temer avisou que faria essa avaliação. Nela, disse que a Câmara, “que representa o povo brasileiro, manifestou-se de forma clara e incontestável.” Para ele, “a decisão soberana do parlamento não é uma vitória pessoal de quem quer que seja, mas é uma conquista do estado democrático, da força das instituições e da própria Constituição”, afirmou o presidente.
Em seguida, Temer afirmou querer construir um Brasil “melhor, pacificado, justo, sem ódio ou rancor”. De acordo com o presidente, “erram” aqueles que, segundo ele, querem “dividir” os brasileiros. Prometeu então concluir o trabalho que meu governo começou, convenhamos, há pouco mais de um ano.”
Temer voltou a dizer que seu governo está retirando o País da “mais grave crise econômica” da história. “É urgente colocar o Brasil nos trilhos do crescimento, da geração empregos, da modernização e justiça social.” Isso significa votar as reformas.
Não será fácil. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que conduziu a votação, depois de concluído o processo afirmou que, após o arquivamento da denúncia contra Temer, a votação da reforma da Previdência em plenário terá de ser reorganizada. Segundo ele, será preciso recompor os partidos da base aliada, para alcançar os 308 votos mínimos necessários para aprovar a matéria. Isso significa garantir o apoio do PSDB e de outros partidos que ficaram contra Temer, caso inclusive do PSB.
“Sabemos que vamos ter que reoganizar a votação. Para ter os 308 votos necessários, vamos ter que reorganizar”, afirmou Maia em entrevista ainda no plenário. Em uma tentativa de demonstrar protagonismo sobre o tema, Maia afirmou que trabalhará pessoalmente para tentar recompor a base aliada, principalmente para atrair o PSDB de volta.
227 foram dados a favor da ação e levariam a seu afastamento
19 deputados nem apareceram para a votação em plenário
342 votos seriam necessários para abrir processo e afastar Temer
308 votos são precisos para aprovar emendas como a da Previdência
Governo abre balcão de negociação no plenário
O governo abriu um balcão de negociação de cargos e emendas dentro do plenário da Câmara em troca de votos para salvar Michel Temer durante a votação. Ao longo da sessão, ministros e líderes governistas mobilizaram a máquina federal para atender deputados que se comprometessem a rejeitar a acusação. Em poucas horas, o Planalto calculava reservadamente que havia conseguido conquistar os votos de mais de 20 “indecisos” ao atender suas demandas.
A operação foi ordenada por Temer e comandada pelo ministro tucano Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), cuja pasta é a responsável pela distribuição de cargos e emendas para a base aliada. Ele foi um dos dez ministros que reassumiram seus mandatos na Câmara para votar a favor do presidente e obter votos no plenário.
Enquanto deputados discursavam e batiam boca nas tribunas, Imbassahy e outros ministros “despachavam” com os parlamentares nas cadeiras e nos fundos do plenário, destravando nomeações e a liberação de verbas públicas. A reportagem presenciou diversas negociações ao longo de todo o dia.
No final da manhã, Imbassahy e o deputado Beto Mansur (PRB-SP), um dos principais defensores de Temer, passavam em revista uma planilha que listava as emendas que o governo já havia liberado. O objetivo, segundo a reportagem apurou, era cobrar fidelidade dos deputados contemplados com dinheiro público que evitavam se comprometer em apoiar Temer.
Uma provocação atrás da outra
Após barrar a denúncia, Temer pretende reconquistar o apoio do mercado financeiro, fortalecer sua base de apoio para acelerar reformas e manter o PSDB ao seu lado.
Temer se reunirá na semana que vem com líderes governistas no Congresso para montar um cronograma de votação e discutir que mudanças na reforma da Previdência são possíveis de ser aprovadas no curto prazo.
A estratégia é enviar até o final de agosto o texto da reforma tributária, que tem menos resistência na Câmara e no Senado, e, na sequência, em setembro, colocar em votação a previdenciária. A meta é finalizá-las em outubro.
O peemedebista está estruturando ainda uma agenda de encontros com empresários e investidores para vender a imagem de que tem força política para cumprir a promessa de realizar as reformas.
O entorno do presidente reconhece, no entanto, que o otimismo pode arrefecer com o impacto de uma nova acusação do procurador-geral, Rodrigo Janot, até o fim de agosto por obstrução de Justiça -sem falar na possibilidade de que duas delações em negociação, de Lúcio Funaro e Eduardo Cunham, possam atingir o presidente.
A estratégia, por ora, é usar o clima político favorável, apesar dos fatores que podem prejudicar a agenda do governo.
Avaliação lance a lance
Temer assistiu à votação da Câmara no gabinete presidencial acompanhado dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral). Ao longo do dia, recebeu 21 deputados governistas e oposicionistas e avaliou demandas apresentadas de última hora por parlamentares indecisos.
Escalado para fazer as negociações em plenário, o ministro Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), que se licenciou temporariamente para reassumir o mandato na Câmara, manteve contato frequente com Temer.
Além de focar num calendário de votações, Temer cobrará fidelidade dos partidos governistas, além de discutir retaliações a infiéis, exonerando indicados.