Opinião econômica: Acomodação
— 13/01/2016O mais terrível desperdício que pode haver numa sociedade civilizada é o desemprego. Cada vez que uma pessoa que pode e quer trabalhar não encontra um emprego, sente-se excluída da sociedade. A situação é ainda mais grave quando o desemprego se prolonga e ela perde o “capital humano” que adquiriu no simples ato de trabalhar: vai-se, com o tempo, a sua expertise, superada pelos avanços da tecnologia. Sofre um rebaixamento de seu status social e lhe resta, se tiver alguma sorte, a oportunidade de pertencer ao gueto dos que têm de aceitar salário abaixo de suas qualificações. No fim do dia, perdeu um pedaço da sua identidade e destruiu sua família.
Um nível de desemprego acima do mínimo suficiente para acomodar as mudanças estruturais e tecnológicas que ocorrem em toda a organização social dinâmica e produzem o aumento da produtividade do trabalho (cujo apelido é “desenvolvimento econômico”) é a tragédia que revela a falsidade da conjecturada eficiência do capitalismo do “laissez-aller”, “laissez faire”, “laissez passer”, que alguns ainda supõem ter sido matematicamente demonstrada.
O “capitalismo” é um instante histórico na procura do homem por uma sociedade civilizada. Não é eterno, nem é “justo”, mas é o melhor que se encontrou até agora. Sobreviveu adaptando-se ao enfrentamento do poder econômico do capital pelos trabalhadores com a criação do sufrágio universal a partir do século 19. Na urna, ele dá o mesmo poder a cada cidadão, não importa se vende (é trabalhador) ou compra (é capitalista) força de trabalho.
Quem defende o entendimento direto entre os comitês de fábrica com os empresários, sob a vigilância dos sindicatos (que também têm muito a aprender) para enfrentar as flutuações cíclicas ínsitas na economia de mercado, tem plena consciência das limitações e inconvenientes das levianas propostas de flexibilização “tout court” do mercado de trabalho. Tal teoria é apenas mais uma conjectura contra a qual pesam sérios exemplos empíricos levantados em 2005 (no livro “Fighting Unemployment”, de David Howell) e confirmados em 2012 (em “Macroeconomics Beyond the NAIRU”, de Servaas Storm e C. W. M. Naastepad).
O que se propõe é que trabalhadores e empresários, sentados numa mesa com informações relevantes e transparentes, possam discutir – caso a caso, livre e concretamente – qual a melhor forma de ambos enfrentarem as inevitáveis flutuações da conjuntura. Devem procurar a distribuição mais “justa” dos ganhos e dos seus inconvenientes, a segurança e a estabilidade do emprego além de respeitar todos os direitos constitucionais dos trabalhadores. Por si mesmo, esse entendimento aumentará o bem-estar de todos e mitigará as próprias flutuações cíclicas.
Economista, ex-deputado federal e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura
Fonte:http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2016/01/economia/476914-opiniao-economica.html