TRT3 – A contribuição sindical facultativa e a perda de validade da “MP do boleto”
— 04/07/2019A Medida Provisória 873/2019, que reforçou pontos da reforma trabalhista, perdeu a validade na última sexta-feira (28), já que não foi votada pelo Congresso Nacional no prazo de 120 dias. Com isso, a reforma aprovada pelo Congresso no ano passado volta a valer integralmente, sem os acréscimos da Medida Provisória. A proposta ficou parada no Congresso desde o seu envio, em 1º de março de 2019. Após essa derrota, o governo federal pretende enviar um projeto de lei para que o Congresso possa, mais uma vez, apreciar e debater devidamente a questão.
A Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e a Medida Provisória 873/2019 (que altera e acrescenta alguns dispositivos à CLT, e revoga outro dispositivo do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União) acabaram com a obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical, deixando que o trabalhador decida se quer ou não contribuir para o sindicato da sua categoria profissional. Esse tema foi tratado na lei da reforma trabalhista, que exigiu apenas a autorização individual e por escrito do trabalhador para desconto da contribuição em folha de pagamento. Publicada no dia 1º de março de 2019, a MP 873 reforçou essa exigência e trouxe novas mudanças: entre outras, estabelece que o valor da contribuição sindical não pode ser descontado em folha de pagamento da empresa, mesmo quando autorizado individual ou coletivamente pelo trabalhador.
Conhecida também como MP do boleto, a MP 873/2019 teve vida curta e já nasceu cercada de polêmicas. Ela acabava com o desconto automático da contribuição sindical ou outra estabelecida em norma coletiva diretamente no contracheque do trabalhador. Com ela, o pagamento passaria a ser feito por meio de boleto, impresso ou eletrônico, enviado para o endereço do empregado ou, se não fosse possível, para a sede da empresa.
Os argumentos contrários à MP do boleto sustentavam, em síntese, que ela enfraquecia os sindicatos e a representação da classe trabalhadora, tendo em vista que dificultava a arrecadação de recursos financeiros importantes para a manutenção da estrutura sindical e ainda introduzia um gasto a mais: as despesas com a confecção de boletos, o que não seria nada prático para sindicatos e trabalhadores, que ficariam desmotivados. A corrente favorável às mudanças introduzidas pela Medida Provisória, ao contrário, argumentava que ela fortalecia a liberdade e a autonomia do trabalhador, já que a contribuição sindical passaria de ser uma escolha, deixando de ser imposição. Desse modo, o empregado poderia contribuir de forma espontânea para o sindicato que realmente exercesse o seu papel de maneira efetiva na representação da classe profissional.
Há algumas semanas, esse tema despertou novas discussões, quando a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu uma decisão que permitia o desconto de contribuição sindical sem uma prévia manifestação do empregado. A decisão da ministra impôs uma derrota ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul, que havia conseguido aval do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) para efetuar o recolhimento da contribuição sindical dos empregados da Aeromatrizes Indústria de Matrizes.
De acordo com a Constituição, uma medida provisória só pode ser usada em caráter de urgência e relevância. Este foi mais um ponto de polêmica das novas regras: o fato de terem sido definidas por medida provisória. Isso porque o verdadeiro ponto de relevância e urgência referente a essa matéria é a questão da obrigatoriedade da contribuição sindical, que já foi retirada na reforma trabalhista em 2017. A Medida Provisória 873, como o próprio nome indica, possui caráter provisório. E agora que já perdeu a validade, passará a valer a regra da reforma que permite o desconto em folha, desde que com autorização prévia, expressa, voluntária e individual do trabalhador.
Como o tema não favorece os sindicatos, eles estão tentando, através do ajuizamento de ações, reverter as recentes alterações legislativas. Essas ações trazem à Justiça o argumento de que a autorização coletiva em assembleia geral supre a necessidade de autorização individual, prévia e expressa do trabalhador. Aqui em Minas, vários magistrados manifestaram seus posicionamentos sobre a matéria e alguns deles, entre fundamentos de inconstitucionalidade e de enfraquecimento de órgãos coletivos, concederam liminares a favor de os sindicatos manterem o desconto da contribuição sindical diretamente no contracheque do trabalhador, e não por meio de boleto bancário. São decisões específicas para cada processo, e não globais, e podem ser derrubadas por instâncias superiores. Diante desse cenário, tudo indica que ainda teremos muitas discussões até que tenhamos alguma posição definitiva e uniforme entre os juízes.
Acompanhe, a seguir, nesta NJ Especial, algumas decisões da JT mineira sobre esse tema cercado de polêmica, que ainda está longe de terminar.
Antes da MP do boleto: Juiz determina devolução de contribuição sindical descontada dos salários e depositada em juízo
Na Vara do Trabalho de Itajubá, o juiz Fabrício Lima Silva determinou a liberação dos valores depositados em juízo por uma empresa de engenharia, que deverá devolver a quantia aos seus empregados. Esses valores correspondem à contribuição sindical, que passou a ser facultativa após a reforma trabalhista. O magistrado concluiu que não pode ser exigida dos empregados a contribuição sindical e não há justificativa para a retenção da quantia, já que não foi comprovado o consentimento dos trabalhadores.
No caso, a empresa relatou que foi notificada pelo sindicato para reter a contribuição sindical, a ser descontada diretamente do salário de seus empregados. O sindicato informou que obteve autorização para esse desconto e aprovação específica em assembleia geral que reuniu os trabalhadores da categoria representada, realizada no dia 23 de fevereiro de 2018, o que, na sua visão, torna válida a aprovação do desconto da contribuição para todos os trabalhadores da categoria, inclusive os não sindicalizados.
A empresa teve dúvidas quanto ao procedimento correto nesse caso. Então, para evitar problemas, descontou os valores relativos à contribuição sindical da remuneração dos empregados, mas fez o depósito dos valores em juízo para aguardar a sentença sobre a correta destinação da quantia: se os valores correspondentes deveriam ser repassados ao sindicato ou devolvidos aos empregados. Em sua defesa, o sindicato reiterou que a autorização para o desconto poderia ocorrer por assembleia geral e sustentou que são inconstitucionais as alterações sobre a matéria promovidas pela reforma trabalhista.Inicialmente, o magistrado afastou essa alegação de inconstitucionalidade, relembrando que, conforme decidido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento da ADI nº 5794, a alteração na lei trazida pela reforma trabalhista foi reconhecida como constitucional, conforme sessão realizada em 29 de junho de 2018. O juiz enfatizou que o STF sempre fixou a sua jurisprudência no sentido de que as contribuições fixadas em assembleia somente poderiam ser descontadas de trabalhadores filiados aos sindicatos.
Conforme explicou o julgador, até a entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017, prevalecia no STF o entendimento de que o único valor que poderia ser descontado dos trabalhadores não filiados aos sindicatos seria a contribuição sindical, que, até então, possuía natureza jurídica de imposto. Mas, depois que foi reconhecida a constitucionalidade da alteração promovida pela Lei n. 13.467/2017, o magistrado entende que a contribuição sindical deixou de possuir natureza tributária, uma vez que não existe em nosso ordenamento jurídico imposto facultativo. Em consequência, o juiz concluiu que o mesmo entendimento deve ser aplicado agora à contribuição sindical facultativa, sendo que a assembleia não teria poderes para autorizar o desconto de valores, contrariando a vontade individual do trabalhador.
Na interpretação do julgador, o artigo 578 da CLT já estabelece de forma clara que somente poderá ocorrer o desconto da contribuição sindical na folha de pagamento mediante autorização expressa (escrita) do empregado. O artigo 582 da CLT faz expressa menção à possibilidade de desconto dos empregados que autorizaram prévia e expressamente, sendo que tal autorização não pode ser obtida sem a manifestação individual do trabalhador, sob pena de afronta à Constituição. Por fim, o magistrado salientou que deve ser observado também o princípio da intangibilidade salarial, uma vez que o artigo 7º, X, da Constituição da República garante a proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.
Assim, o juiz sentenciante determinou a devolução dos valores aos empregados indicados na petição inicial. A sentença foi confirmada pelo TRT mineiro. (ConPag 0010335-56.2018.5.03.0061 – Data de assinatura: 22/08/2018).
Sindicato obtém liminar contra a MP do boleto
Ao mudar o seu posicionamento anterior, o juiz Pedro Paulo Ferreira julgou procedente o pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Assessoramento Pesquisas Perícias e Informações no Estado de Minas Gerais (Sintappi-MG) para condenar a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) a continuar descontando em folha de pagamento as mensalidades dos sócios da entidade sindical, sob pena de multa de mil reais por dia, para cada descumprimento verificado em relação a cada empregado.
Na ação recebida pela 10ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o sindicato-autor pretendia que o valor das mensalidades sindicais continuasse a ser descontado em folha de pagamento e não por meio de boleto bancário impresso ou eletrônico, conforme prevê o novo artigo 582 da CLT, alterado pela nova MP 873/19, cujo conteúdo é o seguinte:
[…] a contribuição dos empregados que autorizarem, prévia e expressamente, o recolhimento da contribuição sindical será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, que será encaminhado obrigatoriamente à residência do empregado ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa […]
Em sua ação, o sindicato-autor argumentou que a nova redação do artigo 582 da CLT é incompatível com o princípio da liberdade sindical, descrita no artigo 8º, IV, da Constituição Federal, cujo teor é o seguinte:
[…] art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; […]
Na interpretação do magistrado, os dispositivos em questão são compatíveis. Entretanto, ele entende que o artigo 582 da CLT, com a nova redação atribuída pela MP 873/19, deve ser interpretado conforme o artigo 8º, IV, da Constituição. O resultado obtido é que a cobrança na forma do artigo 582, da CLT (pela remessa de boletos ou equivalente eletrônico) só pode ser exigida do ente sindical quando não houver deliberação em assembleia geral do sindicato com previsão diferente, nos moldes autorizados pelo artigo 8º, IV, da CR/88.
Nesse contexto, o juiz observou que, por falta de impugnação específica, é incontroverso que houve deliberação por assembleia geral, com previsão de desconto em folha da mensalidade sindical, afastando-se a incidência da cobrança por boletos ou equivalente eletrônico.
Somado a esses fundamentos, o magistrado acrescentou o fato de que o preposto da empresa, em seu depoimento, confirmou a existência de autorização individual e escrita dos empregados para o desconto da mensalidade em questão, em atendimento à cláusula 22ª do acordo coletivo de trabalho.
Assim, o juiz sentenciante revogou a decisão que indeferiu o requerimento de tutela antecipada e julgou procedente o pedido do sindicato-autor para condenar a empresa a continuar descontando na folha de pagamento os valores correspondentes à contribuição sindical, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia, por cada descumprimento verificado em relação a cada empregado. (Processo PJe nº 0010214-50.2019.5.03.0010. Data: 15/04/2019).
Juiz determina que IPSEMP restabeleça desconto em folha da contribuição de aposentados de Pirapora
Na ação civil coletiva ajuizada perante a Vara do Trabalho de Pirapora-MG, o juiz Marcelo Palma de Brito concedeu uma liminar que suspende os efeitos da decisão do Instituto de Previdência Municipal de Pirapora (IPSEMP), que dificultava o desconto da mensalidade sindical em folha de pagamento.
A decisão do magistrado atendeu ao pedido do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Pirapora (Sindipira) e é aplicável especificamente ao caso dos aposentados do IPSEMP.
Em sua ação civil coletiva, com pedido de concessão de liminar por tutela provisória de urgência, o Sindipira argumentou que a Medida Provisória 873/2019 é inconstitucional, pois fere dispositivo da Constituição, o artigo 8º, que, entre outras questões, proíbe a interferência do Governo Federal nas organizações sindicais. Na visão do Sindipira, nesse caso, a interferência estatal ocorreu com intenção de impedir o desconto das contribuições dos aposentados na folha de pagamento.
Em sua sentença, o magistrado enfatizou a importância da autonomia e da liberdade sindical, princípios destacados na Constituição. Lembrou o juiz que a proibição de qualquer interferência ou intervenção na organização sindical pelo Poder Público reflete o disposto nas Convenções Internacionais Fundamentais da OIT nºs 87 e 98, que tratam, respectivamente, sobre liberdade sindical e negociação coletiva. Para o julgador, essa autonomia sindical reflete-se na possibilidade de os sindicatos organizarem-se livremente, elaborarem os seus estatutos sindicais, estipularem contribuições e mensalidades sindicais aos seus associados que prévia e expressamente a elas aderirem, estipulando, inclusive, a forma como os valores das contribuições e mensalidades sindicais serão repassadas ao sindicato. Ou seja, a Constituição Federal de 1988 não deseja qualquer interferência estatal na forma como sindicato relaciona-se com os seus associados/filiados, seja do ponto de vista coletivo, seja na ótica individual, pontuou, destacando que essas questões são assuntos internos das organizações sindicais.
No entender do julgador, as alterações introduzidas pela MP 873/2019 afrontaram os princípios da autonomia e da liberdade sindicais, porque ditaram como deveriam ser realizados os recolhimentos de contribuições com os quais os prestadores de serviços consentiram prévia, expressa e individualmente. Conforme relembrou o magistrado, historicamente, a CLT sempre primou pelo desconto em folha das contribuições e mensalidades sindicais. A expressão desconto em folha também está presente no artigo 8º, IV, da Constituição. Por isso, ele entende que a MP 873/2019, ao imprimir nova redação aos artigos 545 e 582 da CLT, ignorou completamente o disposto no inciso IV do artigo 8º da CF/88, tendo em vista que estende suas disposições a qualquer contribuição facultativa, independentemente de sua nomenclatura.
O juiz enfatizou, ainda, que a reforma trabalhista não modificou a forma como as contribuições seriam recolhidas, mas apenas condicionou o seu recolhimento, inclusive por desconto em folha de pagamento, à autorização prévia e expressa dos trabalhadores.
Por essas razões, para a concessão da liminar pretendida pelo sindicato-autor, o julgador concluiu estarem presentes os requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Ora, o perigo da demora está patente, eis que se não for determinado retorno do desconto das mensalidades associativas em folha de pagamento dos servidores, tal situação poderá comprometer sobremaneira a representação profissional dos servidores representados pelo sindicato requerente, concluiu.
Na liminar, o julgador determinou que sejam restabelecidos imediatamente, no próximo pagamento após a realização da intimação da decisão, os descontos das mensalidades associativas e de outras contribuições sindicais facultativas em folha de pagamento dos servidores filiados ou associados. O magistrado determinou também que o IPSEMP, às suas expensas, promova, no prazo de 20 dias, a contar da intimação da decisão, os depósitos em favor do sindicato-autor dos valores que deveriam ter sido descontados em folha dos servidores filiados. No caso de descumprimento de cada uma dessas duas determinações, o juiz fixou uma multa de 5 mil reais por folha de pagamento em que deixarem de assim proceder, em favor do sindicato-autor. (Processo nº 0010277-83.2019.5.03.0072. Data: 10/05/2019)
Mais jurisprudência do TRT-MG sobre o tema
EMENTA: CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. ALTERAÇÃO DOS ARTIGOS 545, 578, 579, 582, 583, 587 E 602 DA CLT PELA LEI Nº 13.467/17. AUTORIZAÇÃO EM NORMA COLETIVA, IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO INDIVIDUAL. MP Nº 873/2019. A natureza jurídica da contribuição sindical prevista no art. 578, da CLT era considerada tributária, chegando o legislador a denominá-la de imposto sindical, e correspondia, para os empregados, ao valor da remuneração de um dia de trabalho, qualquer que fosse a forma da referida remuneração. Com o advento da Lei nº 13.467/17, a redação do art. 579 da CLT foi alterada, e o imposto sindical (compulsório) se transformou, então, numa contribuição facultativa. A partir de 1º de março de 2019, vigência da MP nº 873/2019, foi reforçada a necessidade de autorização individual, expressa e por escrito de cada empregado para a realização do desconto da contribuição sindical. A necessidade de autorização individual e expressa, em relação ao período anterior à vigência da Medida Provisória, já poderia ser inferida da Súmula 666 do STF, da OJ-SDC-17 do TST e do PN-119 do TST, aplicados por analogia. O §2ª do art. art. 579 da CLT, acrescido pela Medida Provisória nº 873, de 2019, vedou expressamente a cobrança compulsória da contribuição sindical de todos os empregados e empregadores por instrumento coletivo, assembleia geral ou outro meio previsto no Estatuto do sindicato, tornando tais disposições nulas de pleno direito. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010226-48.2018.5.03.0059 (RO); Disponibilização: 26/04/2019, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 663; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Maristela Iris S.Malheiros).
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região