UVERGS lança Manifesto Municipalista
— 09/03/2019
MANIFESTO MUNICIPALISTA
A CRISE DO PACTO FEDERATIVO
Desnecessário De bom alvitre o registro as considerações sobre “A Constituição e a Crise do Pacto Federativo. A Realidade do Centrismo Político e Fiscal”.
Para tanto, se faz necessário lembrar o contexto em que foi elaborada a nossa Lei Maior, nos idos de 1987 e 1988. Assim, o primeiro ponto que desejo destacar diz respeito ao perfil do órgão ao qual foi atribuída a feitura do Pacto fundamental. Diversamente do que antes ocorrera, e até em contrariedade ao que desejado por alguns, deliberou-se por partir do nada, para a elaboração de uma Lei Maior. Preferiu-se, à sólida estaca de um Anteprojeto – formulado por um jurista ou uma comissão deles – a abertura da senda constituinte a partir do próprio povo, seus anseios, suas idéias, suas necessidades, suas convicções.
Algumas centenas de brasileiros receberam mandato, neste embutida a representatividade constituinte.
E como essa legitimação era haurida e conferida sem limitações, que não as do próprio ato convocatório, decidiu-se pelo mais difícil e mais autêntico: estruturar aos poucos, tijolo sobre tijolo, piso sobre piso, o grande edifício da Constituição. Abriu-se mão da comodidade do pré-moldado e das estruturas pré-fabricadas, em nome da realização da edificação mais conforme à realidade do Brasil e dos brasileiros.
Uma vez mais estava o Brasil mobilizado para a tarefa de elaborar uma nova Carta Magna. Tratava-se de reordenar democraticamente o país após a ruptura da ordem constitucional, e a importância, para a sociedade brasileira, de uma Constituição democraticamente votada era evidente para todos. Sem ela os valores fundamentais em que se deve basear a sociedade estão permanentemente ameaçados. Uma Constituição deve espelhar o estado atual das relações sociais, mas, ao mesmo tempo, deve servir de instrumento para o progresso social.
Para tanto, elegeu-se um método a ser utilizado pelo Congresso Constituinte que privilegiou a espontaneidade das contribuições ao invés de adotar um texto inicial, como disse antes, a partir do qual trabalharíamos. Era essa metodologia extremamente controvertida, devido às suas características democráticas. Realizou-se amplo levantamento das aspirações nacionais, expressas pelos constituintes e também pelo próprio povo através das emendas populares. Nesse estágio, o objetivo era termos um documento que refletisse a consciência da maioria do povo.
Foi montada uma estrutura composta de subcomissões e comissões temáticas, que dariam uma visão da realidade brasileira que se mostrou específica e necessariamente parcial. Como resultado, temos hoje um documento no qual as diversas partes refletem diferentes posicionamentos ideológicos e, portanto, de difícil articulação numa proposta unificada. Tratou-se, porém, apesar das críticas suscitadas, de um trabalho extremamente profícuo, que permitiu que soubéssemos aquilo que setores majoritariamente da sociedade tinham a propor.
Nesses palcos setoriais transcorreu a primeira etapa do grande esforço: justapondo idéias, amalgamando propostas, e formulando textos, as subcomissões foram construindo a parte que lhes cabia da engenharia constituinte. Seus trabalhos não eram um “diktat” setorial: pelo contrário, eles eram submetidos a intensas discussões entre os constituintes, dissecados em assembléias públicas (com enorme participação popular, diga-se) estudados em cuidadosos pareceres e, afinal, votados, em sessões de grande atividade e mesmo, por vezes, eletrizantes.
Aliás, essa era uma tônica do Congresso, naqueles dias, como até a mídia repetidamente assinalou: os corredores estavam repletos de populares, cidadãos, que circulavam de um gabinete ao outro, de uma comissão a outra, abordando constituintes, convocando-os a ouvirem suas idéias e aspirações, numa sadia prática lobista, bem diversa das que por vezes se registram nesta República. Aliás, essa era a marca daqueles dias: vivia-se uma República, um momento em que a atividade política era res publica, coisa de todos, de todos nós brasileiros. É oportuno, mesmo, evidenciar que a participação da cidadania, aqui relembrada, foi um poderoso vetor de atuação popular, aplacando iras e ressentimentos, transformando-os em energia positiva, construtiva, participativa. E, como tal, a participação em causa foi um valioso instrumento de concretização da transição democrática, delicada etapa de nossa História, ainda inconclusa.
Aquele que leia, sem paixão e preconceito, o texto da Constituição de 1988 poderá, descontados os naturais problemas de qualquer obra do homem, asseverar que se trata, sem dúvida, de diploma exemplar, profundamente renovador, à altura dos melhores que o constitucionalismo tem produzido, aí incluídas as justamente decantadas Constituições de Espanha e Portugal. Façamos breve ponderação e esse respeito.
O primeiro dado a destacar é de topografia, mas igualmente de conteúdo: o texto se instaura com a indicação dos princípios fundamentais, direitos individuais, garantias fundamentais e direitos sociais. Em vez de clássica exposição vestibular da estrutura do Estado e de seus Poderes, deu-se prevalência ao cidadão e ao trabalho: no dado geográfico, uma eleição ideológica. Esta, verdadeiramente, é uma Constituição cidadã. E o exame sumário de seus Títulos reforça tal convicção. Vejamos alguns reflexos e conseqüências do texto constitucional no Estado Democrático de Direito:
• a expressa consagração do respeito aos direitos humanos como princípio fundamental;
• o alargamento das garantias fundamentais, com ênfase para o “habeas data”, o mandato de injunção, a garantia do devido processo legal, o mandato de segurança coletivo, a imprescritibilidade de certos delitos gravíssimos etc;
• a consagração constitucional dos direitos fundamentais do trabalhador, com particular referência ao fortalecimento do sindicato e à ampliação do direito de greve;
• a maior dimensão do sufrágio universal e do direito de votar e de ser votado;
• a redefinição das competências normativas, conferindo aos Estados e ao Distrito Federal poderes jamais antes concedidos;
• a atribuição ao Município de efetivos instrumentos de autonomia;
• o fortalecimento e aumento de atribuições do Legislativo, que é a casa do povo, deslocando o Executivo da posição majestática, antes detida;
• os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais conferidas às Comissões Parlamentares de Inquérito;
• a reformulação da partilha tributária, de sorte a viabilizar a federação;
• o estabelecimento, pioneiro no patamar da Constituição, de uma clara e ordenada política urbana;
• o regramento, voltado para os interesses da sociedade, do sistema financeiro nacional;
• a elaboração, por vez primeira, de uma estrutura integral da seguridade social;
• a total reformulação da disciplina fundamental da educação e da cultura, assentando a amplitude de seus fins e a generalização de seus beneficiários, priorizando o sistema público como destinatário dos recursos arrecadados da população;
• os capítulos absolutamente inovadores e exemplares da comunicação social, ciência e tecnologia, desportos; o do meio ambiente, primeira consagração mundial do tema em sede constitucional, com a dignidade de direito público subjetivo, de natureza difusa;
• o combate sem trégua à corrupção, através do fortalecimento do Ministério Público;
• a preocupação específica com o idoso, a criança, o adolescente e o índio, todos enfim justamente considerados como titulares de atenção especial;
• a revalorização da família, com o reconhecimento de seu novo perfil e a abolição das discriminações entre os filhos;
• o fim da censura.
MINICONSTITUINTE OU NOVO PACTO CONSTITUINTE
Já há numerosas declarações sobre a convocação de uma Constituinte restrita ou Mini-Constituinte, às quais – com o respeito que os seus defensores merecem – é necessário, senão indispensável, fazer algumas oposições.
Qual a semelhança entre o Brasil de hoje e o de 1964?
Vamos retroagir um pouco no tempo.
O primeiro semestre de 1964, sob os impulsos de um movimento popular, fruto ou não de equívoco, as Forças Armadas, com o apoio, manipulado ou não, de significativa parcela da classe política (parlamentares, governadores e prefeitos), destituíram o Presidente da República e operaram a democracia controlada na ordem político-institucional vigente, através dos chamados atos institucionais.
Após um período de convivência da Constituição de 1946 com os Atos Institucionais, o Congresso Nacional foi chamado a institucionalizar o quadro jurídico resultante, através da elaboração da nova Constituição, que foi promulgada a 24 de janeiro de 1967 e entrou em vigor a 15 de março do mesmo ano.
Durou pouco e, no curto espaço de tempo de sua vigência, ouviram-se as primeiras vozes em favor da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, idéia que, informalmente, foi defendida, desde abril de 1964, pelo saudoso Senador pela Bahia, Aluísio de Carvalho Filho. A idéia não prosperou, uma vez que a 13 de dezembro de 1968 o estamento militar impôs ao Presidente da República a edição de Ato Institucional de nº 5, que promoveu a completa ruptura político-institucional.
Eis aí o motivo forte de então para a convocação da Assembléia Nacional Constituinte: a completa ruptura político-institucional. E dela decorreram todos as ações políticas que tiveram curso no País.
Como pois, no momento atual – apesar dos problemas econômicos – quem pode negar a existência de um tempo excepcional de liberdade e da plenitude do Estado de Direito?
É o que me leva a adotar opinião contrária ao chamado novo pacto constituinte.
Ademais, a doutrina consiste em ver a Constituição como lei fundamental, onde se resguardam, acima e à margem das lutas de grupos e tendências, alguns poucos princípios básicos, que uma vez incorporados ao seu texto tornam-se indiscutíveis e insuscetíveis de novo acordo e nova decisão. Como não é todos os dias que uma comunidade política adota um novo sistema constitucional ou assume um novo destino, cumpre extrair da Constituição tudo o que permite a sua virtualidade, ao invés de, a todo instante, modificar-lhe o texto, a reboque de interesses meramente circunstanciais.
E hoje, vê-se os estudos produzidos pela COISSÃO ESPECIAL SOBRE A SITUAÇÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA LEI KANDIR, criada na AL do RS, para reflexão sobre os efeitos dessa Lei, para os estados e os municípios.
Reconhecemos que num primeiro momento a sua edição foi bom para o Brasil, mas o Governo Federal esqueceu-se de compensar os estados e consequentemente os municípios por este desiquilíbrio, ante à queda de receita, mercê das insenções dos produtos de exportação, in natura ou semi manipulados.
É preciso, portanto, que os municípios brasileiros parceirizem-se na busca da adequação dessas compensações, onde muitos estados passariam de devedores, para quitados ou credores da União.
Vereadores ! A vida acontece no município, onde se implementam as principais demandas da vida.
Logo, está e vossas mãos o resultado para ajustarmos e consertarmos esta deformação.
Porto Alegre, 22 de janeiro de 2019.
UVERGS