OPINIÃO: O excesso no rigor normativo. E quando se trata de magistrados, parece que piora!
— 09/12/2018Por Herval Sampaio – Juiz de Direito, Presidente da AMARN
Esse pequeno texto tem como escopo permitir uma reflexão necessária sobre os excessos no cumprimento de alguns atos normativos e quando envolve um Magistrado, tem-se a impressão de uma marcação com a classe dos Juízes e uma presunção de “carteiradas”.
A imagem que ilustra o texto dará a dimensão do primeiro fato e o nosso depoimento, talvez contra-atacado de plano, tenta demonstrar o segundo, fato ocorrido coincidentemente na semana em que um Ministro do STF foi indiscutivelmente constrangido pessoalmente por um advogado, ressaltando, desde já, que não farei juízo de valor sob a ótica jurídica, nem da atitude do colega, nem muito menos do advogado, contudo, parece-nos que, no mínimo, o ato tem reprimenda ética e de educação no trato com as pessoas.
Não fugirei do tema proposto e a colocação do polêmico caso que envolve o Ministro se deu tão somente para comprovar que autoridades públicas estão hoje muito expostas a constrangimentos de toda ordem e que desconhecidos em patente má-fé podem querer se aproveitar dessa condição e surfarem na onda do sensacionalismo, querendo aparecer a todo custo, como se em um Estado Constitucional democrático só tivéssemos direitos e nunca obrigações de um modo geral, estas com o poder público e com os demais cidadãos.
Vamos agora ao fato que gerou o próprio texto e a abordagem nas duas vertentes.
Há algum tempo exerço com muita alegria a função que impus a mim como cidadão, de conscientizar as pessoas sobre a plenitude da cidadania e tenho cumprido tal mister de vários modos e um deles é fazer palestras para os políticos que reputo os mais importantes, por justamente estarem mais próximos do povo, os Vereadores.
Após cumprir com muita satisfação compromisso, nesse sentido, na cidade de Irai-RS, coincidentemente acompanhado de um Vereador do Estado do Maranhão, que pode testemunhar todo o narrado, na cidade de Chapecó-SC, aonde partia meu voo de retorno à Natal, fui surpreendido por um agente do aeroporto na hora de passar a bagagem de mão, que não poderia levar a lembrança que ganhei do Presidente da União dos Vereadores do Brasil (UVB), consoante imagem que ilustra o texto, porque se tratava de uma arma.
De plano refutei tal compreensão, argumentando que se tratava de um presente que recebi, sendo na realidade, uma arte indígena e com destaque para o próprio nome da cidade e impressionado com o rigor da interpretação legal de que se tratava de uma arma, continuei a fundamentar que para se considerar uma arma eu teria que portar a flecha e me dispus a mostrar toda a minha bagagem, a própria mala de mão e a bolsa com pertences pessoais, de modo que ficasse comprovado que o instrumento não poderia ser usado como arma e portanto não se enquadraria na vedação das normas da Anac.
De nada adiantou e de modo grosseiro, o referido agente disse que eu não levaria o objeto e que teria de ser despachado. Com o devido equilíbrio emocional, ainda disse ao mesmo que só não coloquei na mala porque não cabia e também porque não imaginaria tamanho excesso de interpretação. A cada novo argumento a coisa piorava.
Por fim, e de modo a tentar equacionar o problema e o final da história demonstrará que diferente do agente tive cautela e equilíbrio emocional, sem qualquer rigor na interpretação das normas, me identifiquei como Magistrado e talvez aí tenha sido o grande problema.
Agora, os Juízes não podem mais se identificar como Magistrados porque tudo é carteirada?
Como derradeiro argumento, enunciei que mesmo não tendo a certeza de que o porte de arma legal que possuímos nos daria o direito de levar uma arma no voo, ponderei a total capacidade de levar a lembrança sem nenhum perigo no voo, mas parece que a cada novo argumento o agente, que levou para o lado pessoal, se arvorou dizendo que ia chamar a polícia federal, oportunidade em que disse que não teria nenhum problema, pois quem cumpre a lei em sua plenitude, não deve temer a policia.
E aguardei pacientemente e sem alvoroço a possível chegada da policia, sem acreditar no fundo que uma compreensão exarcebada dos atos normativos traria a polícia de fato e não é que os policiais apareceram, bem educados, e de plano nos dizendo que tinham certeza que se tratava de uma lembrança, na qual tive a cautela de conversando com o gerente da Gol, que nos procurou pouco antes de imediatamente despachar a “arma”, também compreendendo do excesso, mas nos pedindo para evitar maiores problemas que permitisse o embalo da lembrança e consequente despacho, o que por óbvio assim agi, comprovando o bom senso e equilíbrio que o agente não teve.
E foi logo após tal embalagem que os policiais chegaram e conversando com muita educação, também perceberam o excesso, ao ponto do agente, pasmem, ter pedido para que meu embarque fosse vetado, o que não concordou o gerente e nem os policiais, até mesmo porque o objeto do constrangimento que sofri já tinha sido contornado com o referido despacho.
Nessa hora, o referido agente quis dirigir a palavra a minha pessoa e não aceitei, pois o seu excesso era inadmissível e conversando, ao final, com os policiais, ainda fui mais uma vez surpreendido por uma senhora, que presumi ser chefe do referido agente, que teve a ousadia de me dizer que nada disso teria acontecido se eu não tivesse dado a carteirada!
Com muita calma e não sei se mais impressionado do que com o primeiro excesso, disse a referida senhora, que por óbvio diante do ocorrido tinha que me identificar e que hoje qualquer autoridade que se identifica passa como uma “carteirada”, e que da mesma forma que fiz com o agente, não continuei a conversa com quem desde o começo não teve nenhum bom senso.
Sinceramente, trago esse fato para que as pessoas vejam o outro lado e a que ponto chegamos!
Quer dizer que agora não podemos mais nos identificar. É isso mesmo?
Não quero alongar o texto e nem muito menos falar de teoria da conspiração, mas hoje parece que tudo que envolve Juízes se presume abuso de autoridade e a mídia gosta de falar da magistratura em todas as situações, o que leva a parte da sociedade a nos considerar como inimigos e autoritários por excelência, isso por um e outro caso, na qual não se pode generalizar!
Desta forma, finalizo conclamando as pessoas em dois sentidos, primeiro que o rigor normativo deveria ocorrer em situações que a própria lei ainda não se cumpre, o que infelizmente é uma realidade nacional, já que falamos tanto em fazer novas leis quando sequer cumprirmos as que temos e outras são cumpridas dentro de uma rigidez sem sentido, em que o bom senso fica de lado.
Segundo, que toda sociedade que desconfia de seus Juízes não vai avançar nunca, pois estes fazem parte da essência de um Estado Constitucional Democrático e se em dado momento histórico os mesmos erroneamente foram tidos como Deuses ou até mesmo alguns tiveram essa indevida compreensão, hoje não podem ser estigmatizados e constrangidos em públicos, pois quando isso acontece é a dignidade da própria Justiça que está em jogo e, por conseguinte, a própria sociedade.
Que possamos como sociedade devidamente organizada, fazer valer as leis de um modo geral, coibir eventuais abusos de autoridades de quem quer que seja, mas sempre agir com bom senso e respeitar a dignidade de todas as pessoas, não podendo se presumir que Juízes dão “carteiradas” ao se identificar em situações normais do dia a dia.
fonte: http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/1202-o-excesso-no-rigor-normativo-e-quando-se-trata-de-magistrados-parece-que-piora